quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Provocadores

 O texto foi baseado nos seguintes artigos:

A Contracultura é Laranja Fluorescente, de Ari Almeida

Contracultura e Arte nos Anos 60, de Ivan Hegenberg


Contracultura: (também "contra-cultura") é um termo sociológico utilizado para descrever os valores e normas de comportamento de um grupo cultural, ou subcultura, que são contrárias às do mainstream social do dia, o equivalente cultural da oposição política. É um neologismo atribuído a Theodore Roszak.

Embora distintos, movimentos contraculturais existem em muitas sociedades, aqui o termo "contracultura" se refere a uma noção mais significativa, fenômeno visível que atinge uma massa crítica e persiste por um período de tempo. Um movimento contracultural exprime a ethos, aspirações e sonhos de uma população específica durante um tempo - uma manifestação social do zeitgeist.

“De um lado, o termo contracultura pode se referir ao conjunto de movimentos de rebelião da juventude [...] que marcaram os anos 60: o movimento hippie, a música rock, uma certa movimentação nas universidades, viagens de mochila, drogas e assim por diante. [...] Trata-se, então, de um fenômeno datado e situado historicamente e que, embora muito próximo de nós, já faz parte do passado”. [...] “De outro lado, o mesmo termo pode também se referir a alguma coisa mais geral, mais abstrata, um certo espírito, um certo modo de contestação, de enfrentamento diante da ordem vigente, de caráter profundamente radical e bastante estranho às forças mais tradicionais de oposição a esta mesma ordem dominante. Um tipo de crítica anárquica – esta parece ser a palavra-chave – que, de certa maneira, ‘rompe com as regras do jogo’ em termos de modo de se fazer oposição a uma determinada situação. [...] Uma contracultura, entendida assim, reaparece de tempos em tempos, em diferentes épocas e situações, e costuma ter um papel fortemente revigorador da crítica social.” (Pereira, 1992, p. 20) fonte: wikipedia – a enciclopédia livre.

 

 

A contracultura é um termo bastante amplo, associado em geral aos hippies, que traduz a rebeldia da juventude dos anos 60 do século XX, contra os principais valores da cultura ocidental. Uma cultura marginal, focada principalmente em uma transformação de consciência, dos valores e do comportamento, em busca de outros espaços e novos canais de expressão para o indivíduo em pequenas realidades do cotidiano. Uma busca por novos modos de vida realmente criativos. Apesar das imagens e estereótipos limitados que recebemos do que foi essa contestação, tratava-se de uma juventude bastante heterogênea, desorganizada, contraditória, e sem um rigor ideológico que centralizasse suas ações, que, no entanto, lutou contra o autoritarismo, o moralismo, a hipocrisia, a burocracia, o racismo e o militarismo.

A tríade “sexo, drogas e rock`n roll” popularizou e universalizou o que conhecemos por contracultura dos anos 60. Logo nos lembramos de Lennon e MacCartney cantando sobre um céu de marmelada, de Hendrix e sua guitarra dissonante transmitindo a angústia dos excluídos, de Caetano e Os Mutantes proibindo proibir, de Zappa aliando no palco arte e política, do abusado gato Fritz, de Robert Crumb, que na sua ausência completa de escrúpulos, rompia com os limites impostos pelo Comics Code estadunidense, pelos cartazes coloridos que diziam: “faça amor, não faça guerra”. Com a assimilação da contracultura pelo sistema, e sua conseqüente banalização; John Lennon anuncia nos anos 70: “O sonho acabou.”

Na década de 1950 surgiu nos Estados Unidos um dos primeiros movimentos contraculturais a Geração Beat[1], representada pelos escritores Jack Kerouac (On The Road, Dharma Bum), Allen Ginsberg (Howl), Willian S. Burroughs (Naked Lunch), influenciados por Ezra Pound, mesclaram ensinamentos zen com rebeldia, viviam à margem do sistema, porém sem nunca o terem confrontado de forma mais direta. Viajavam pelo mundo adquirindo toda forma de conhecimento que somasse com seu estilo de vida, passando de subemprego em subemprego, pegando carona, fora as noites de bebedeira, as mais variadas aventuras sexuais, experimentos com drogas e filosofia oriental. Comportamentos que seriam legados a diversas outras subculturas, associados bastante a o que ocorreu em 1969 no festival de Woodstock[2]. O modo como Kerouac descreve suas lições zen, nos diz muito sobre a mentalidade desta geração. Em “Os Vagabundos Iluminados” (Dharma Bum) o personagem Japhy Rider transmitia seus conhecimentos em filosofia oriental a Alvha Goldbook (nome fictício dado a Allen Ginsberg):

Você deveria casar e ter filhos mestiços, manuscritos, cobertores feitos em casa e leite materno sobre o seu tatame alegre e esfarrapado como este aqui. Arrume uma cabana para morar no mato não muito longe da cidade, gaste pouco para viver, enlouqueça em um bar de vez em quando, escreva e caminhe pelas montanhas e aprenda a serrar tábuas e converse com velhinhas, seu grande tolo, carregue muita madeira para elas, bata palmas em altares, consiga favores sobrenaturais, faça aulas de arranjos florais e plante crisântemos ao lado da porta.”

Poucos sabem, mas o primeiro grupo a transpor a liberdade beatnik para um esforço de transformar a sociedade foram os chamados Provos[3] de Amsterdã, que são considerados os fundadores da contracultura. Como pode ser comprovado num trecho extraído de um artigo publicado no San Francisco Sun, entitulado: “Provos sim, ianques não”:

“A cidade de Amsterdam está coberta de círculos da paz do CND e de desenhos de uma maçã de ponta-cabeça, que é o emblema dos Provos, os Joõezinhos, sementes de maçã de nossa época. Um dos meios mais poderosos de influenciar as pessoas é semear, por meio da imagem, as sementes de outro modo de vida.

(...) É preciso ocupar os cruzamentos das artérias mais transitadas não para protestar contra a discriminação, mas contra os próprios cruzamentos. Legiões de jovens cantando no meio das ruas nas horas do rush e usando as ruas para a única coisa para a qual poderiam servir: dançar.

Temos de nos reunir nos parque e em volta das estátuas, porque nos pertencem. Temos de espalhar o verde pela cidade toda, tornar a dar vida às cidades, renovar os seres humanos”. (HEGENBERG, Ivan)

Ao invés do “drop out[4]”, adotado por beatniks e hippies, os Provos insistiram em ficar na sua cidade e de fato conseguiram transformá-la. Tratava-se de um pequeno grupo, duzentas pessoas em seu auge, que atuou de modo intenso e subversivo entre julho de 1965 e maio de 1967. Com influências do dadaísmo e de outras correntes artísticas, apesar de nunca se definirem como um movimento artístico, o formato escolhido foi o happening[5], executado de maneira extravagante, em princípio para espantar o tédio das conformidades. O desconhecimento do grande público de sua existência deve-se ao fato de que o movimento ficou circunscrito à cidade de Amsterdã, e seus tablóides eram todos escritos em holandês, Matteo Guarniccia[6] também explica que a ele faltou também aquele megafone fundamental representado pela música pop. Se no mundo anglo-saxão o movimento pacifista e alternativo pôde contar com grupos ou cantores de música folk para amplificar e difundir sua mensagem, nada parecido aconteceu na Holanda, do ponto de vista musical".

“As excursões Provo para fora da Holanda foram poucas e breves. Passaram pelo Marrocos, Ibiza, ilhas gregas (antecipando-se em pelo menos quatro anos às badaladas migrações hippies) e estabeleceram-se por algum tempo em Londres, tornando-se ícones da casta de artistas psicodélicos. Foi quando desenharam os figurinos de Sgt Pepper´s, e a Provo Marijeke Koger tornou-se a grande estilista dos malucos ingleses, aproveitando para executar um happening onde fez a dança dos sete véus inteiramente nua, pintada com cores fluorescentes.” (Almeida, Ari, A Contracultura é Laranja Fluorescente).

No manifesto publicado em seu tablóide no ano de 1965, é possível ter uma visão geral do grupo:

“PROVO é uma folha mensal para anarquistas, provos, beatniks, noctâmbulos, amoladores, malandros, simples simoníacos estilitas, magos, pacifistas, comedores de batatinhas fritas, charlatões, filósofos, portadores de germes, moços das estribarias reais, exibicionistas, vegetarianos, sindicalistas, papais-noéis, professores do maternal, agitadores, piromaníacos, assistentes do assistente, gente que se coça e sifilíticos, polícia secreta e toda a ralé deste tipo.

PROVO é alguma coisa contra o capitalismo, o comunismo, o fascismo, a burocracia, o militarismo, o profissionalismo, o dogmatismo e o autoritarismo.

PROVO deve escolher entre uma resistência desesperada e uma extinção submissa.

PROVO incita à resistência onde quer que seja possível.

PROVO tem consciência de que no final perderá, mas não pode deixar escapar a ocasião de cumprir ao menos uma quinquagésima e sincera tentativa de provocar a sociedade.

PROVO considera a anarquia como uma fonte de inspiração para a resistência.

PROVO quer devolver vida à anarquia e ensiná-la aos jovens.

PROVO é uma imagem.” (GUARNICCIA, 2001, p. 15)

A partir de 1962 começaram a ocorrer em Amsterdã os mais variados happenings, “um meio de assalto para mudar a sociedade”: um sujeito escancara as portas e janelas de sua casa no auge do inverno, abre as torneiras, deixa a água congelar no chão e chama uma patinadora para se exibir aos transeuntes curiosos; outro amassa papéis, com os quais recobre seu quarto, a calçada, e os carros estacionados e grava o ruído do amassado para posterior exibição em concertos apropriados; dois times de ciclistas se despem enquanto pedalam, até se chocarem, nus uns contra os outros. O caso mais assombroso, bizarro e marcante foi o de Bart Huges, estudante de medicina, que em 1958 havia servido de cobaia nos experimentos com LSD na Universidade de Amsterdã. Huges fez uma trepanação[7] em sua testa com uma broca de dentista, retirou os curativos ao som de tambores. Ele acreditava que seu “terceiro olho permanentemente aberto” expandiria sua consciência para sempre, e aproveitou a oportunidade para assombrar a massa incrédula.

Com Robert Jasper Grootveld, a coisa começa a tomar um formato mais ou menos definido. Mais um fumante inveterado, Grootveld, inicia uma nada ortodoxa campanha anti-fumo pelas ruas de Amsterdã. Fantasiado de feiticeiro africano, pintava “câncer” sobre todos os cartazes publicitários de cigarros da cidade. Foi preso algumas vezes, chegando, gratuitamente, às mesmas páginas de jornal, que as corporações do tabaco pagavam milhões para anunciar. Solto, funda a Igreja da Dependência Consciente da Nicotina, em uma casa da zona boêmia, entoavam seu mantra: “cof-cof”, resolveram que não comprariam mais cigarros, circulariam como chaminés ambulantes, pedindo cigarros aos outros, afim de que se esgotassem os estoques. Com o aumento do número de pessoas, os eventos seriam transferidos para a Praça Spur, que além de ficar estrategicamente próxima as redações dos principais jornais, possuía uma estátua presenteada para a cidade pela Hunter Tobacco Company.

Em 64, Grootveld já era considerado um herói na cidade, junta-se a Bart Huges para lançar o Marihu[8] Project, um plano para reinvindicar a legalização da maconha, pois consideravam o cigarro uma “droga legalizada”, e tirar um sarro da polícia. Espalharam por toda a cidade centenas de maços pintados ã mão desenhos fluorescentes, contendo baseados feitos de folhas secas, palha, e cannabis, ao mesmo tempo em que espalham cartas com as regras do jogo: "Cada um pode fabricar sua Marihu (...) Cada qual pode criar suas próprias regras, ou omiti-las".

(ALMEIDA)

Em 65, ano em que as reuniões na Praça Spur estavam a toda, a própria família real holandesa daria a deixa para institucionalizar a zorra Provo. A Princesa Beatriz decide se casar com Claus Von Amsberg, diplomata alemão que servira nas fileiras nazistas. Nos bastidores, diversas manobras políticas foram executadas pela Casa Real de Orange para reverter o mal-estar inicial que o noivado conseguiu junto à população e imprensa. Quando a situação parecia estar contornada, chega as ruas a terceira edição do tablóide Provos, que atacava o futuro príncipe por todos os lados. A edição havia sido escondida dentro dos jornais matutinos, sobretudo os mais sensacionalistas e conservadores, em resposta, a imprensa local passa a atacar o grupo, fornecendo a publicidade necessária para a causa anticasamento. Para aumentar a rixa, alguns provos lançam cópias da terceira edição sobre o casal durante um desfile pelos canais de Amsterdã.

Neste ínterim, tanto o prefeito quanto o chefe de polícia ensaiam posturas linha-dura para lidar com os rebeldes, o que se mostra muito frustrante, já que a violência não surtia efeito. Numa atitude que Guarniccia diz só ser possível através de uma fé em magia, os Provos não reagiam aos cassetetes, apenas se dispersavam e voltavam a se juntar alguns quilômetros adiante dos conflitos, num esquema de manifestação não-violenta, modelo que se tornaria a tônica das passeatas antibélicas e antiditadura que dominaram a Europa e as Américas na década de 60. Diversas edições do tablóide são apreendidas, seus editores são multados pela utilização de fotos não autorizadas. A repressão apenas aumentaria a sua popularidade.

Assim como hoje em dia, o automóvel era o grande símbolo da sociedade de consumo, logo, os rituais antifumo da Spur transformaram em uma campanha contra os carros, dando início a sua cruzada contra os motoristas, “consumidores hidrocarburodependentes mimados pelos traficantes de petróleo”. Reivindicando o direito de não consumir, recusam-se a participar desse sonho da classe média, chamando a atenção para a queda na qualidade de vida das cidades provocada pelos automóveis, que entopem o espaço público, causam acidentes e envenenam o ar, com o Plano das Bicicletas Brancas, proclamavam um meio de locomoção “socialmente responsável”.

“É quando publicam um manifesto na quinta edição do tablóide; depois, endereçam uma carta à prefeitura, reivindicando a compra de 20 mil bicicletas brancas comunitárias por ano. A idéia era que estivessem permanentemente disponíveis nas ruas para uso gratuito do cidadão comum, e que este as deixasse para o usuário seguinte quando cumprisse seu trajeto. O plano foi copiado, com sucesso, ao redor do mundo: Estocolmo, Oxford, Berkeley. Em Amsterdam, os próprios Provos espalharam bicicletas pela cidade, e simpatizantes da causa começaram a levar as suas para serem pintadas de branco nas reuniões semanais. Os policiais confiscaram as bicicletas comunitárias com a ridícula justificativa de que, como não tinham dono, representavam um estímulo ao roubo; e começaram a reprimir os encontros da Spur com progressiva violência, transformando-os em choques em praça pública. Entre reuniões com delegados, prisões e manchetes enraivecidas nos jornais, os Provos fizeram diversas tentativas de pacificação da situação, sem sucesso.” (ALMEIDA)

 

“Com os ânimos libertários em ebulição, ainda lançaram o Plano das Mulheres Brancas de liberdade sexual (já pedindo a venda de camisinhas a preços baixos), que poucos anos depois seria a tônica do movimento feminista e de direito dos homossexuais; fizeram manifestações anticolonialistas, condenando a política repressiva contra os indonésios que lutavam pela independência, e de direitos humanos contra as ditaduras de Franco (Espanha) e Salazar (Portugal); constituíram pequenas comunidades alternativas rurais; e puxaram os protestos contra a guerra do Vietnã, criando um escarcéu delirante diante da embaixada americana local. Ainda sobrava energia para esportes menos engajados, como pintar a casa do prefeito de branco ou suspender uma discussão sobre o casamento da princesa Beatriz no Parlamento de Haia usando uma sirene de bombeiro”. (idem)

As apreensões dos tablóides Provos, resultaram em grande publicidade para a publicação, que das 500 cópias iniciais atingiria uma tiragem de 20 mil em sua edição derradeira. O ano de 65 seria marcado também pela explosão da imprensa underground holandesa, que por sua concepção gráfica inovadora, inspirara publicações no mundo inteiro, tais como a revista inglesa “It”, que por ser escrita em inglês se tornaria referência internacional do gênero. Um ano antes dessa explosão, o visionário Grootveld já diria: "os jornais se tornarão cada vez mais conformistas, cada vez mais corruptos, cada vez mais dependentes dos sindicatos da droga e da nojenta classe média (...). Vai se desenvolver um sentimento de dúvida em relação aos meios de comunicação. O resultado será o florescimento de uma imprensa descentralizada, talvez até mesmo ilegal (...). No futuro, cada um terá seu pequeno jornal. Porque não podemos esquecer que temos uma revolução ao alcance das mãos". A internet com as agências de mídia independente e os inúmeros blogs está aí para dar conta disso.

As semanas que antecediam o casamento da princesa Beatriz, seguiram em clima de paranóia. No dia 10 de março de 66, data da cerimônia, a cidade estava em estado de sítio, saídas fechadas, hospitais de prontidão, patrulhamento aéreo com helicópteros, coletes a prova de balas sob a indumentária dos noivos. Os Provos declararam o “dia da anarquia”, e começaram a celebração com o lançamento de cerca de 200 bombas de fumaça pelas salas de imprensa internacional e pelas ruas. “O caos tomou conta da cidade, a multidão ensandecida corria dos policiais a cavalo, que os espancava até que perdessem os sentidos. Os choques começaram de manhã e duraram até alta madrugada. De dentro da igreja ouvia-se o coro gritando "República". Um Provo conseguiu deter a carruagem real atirando uma galinha branca nas pernas dos cavalos que a puxavam, e foi jogado dentro do canal por um grupo de monarquistas.” (idem)

A repercussão internacional foi enorme, e é claro que tais acontecimentos não receberam declarações de apoio por parte da mídia internacional, sendo que os adjetivos usados para descrever o evento, não foram os mais politicamente corretos. Em contrapartida, cabeludos de todos os continentes começam a invadir Amsterdã. Nove dias após o casório, é a aberta a exposição “10-3-66”, com imagens da brutalidade da polícia durante o confronto. Durante a exposição é feito o lançamento do Plano das Galinhas Brancas, onde divulgam o programa “Amigos da Polícia”, exigindo entre outras cretinices, o seu desarmamento. Mais tarde, os agentes da lei se juntariam a festa, reproduzindo o pandemônio do dia 10, a televisão transmite tudo.

“Com a popularidade nas estrelas, o provotariado pensa em lançar dois candidatos para as vindouras eleições da Câmara dos Vereadores de 1 o de junho de 66. Instala-se uma discussão animada no grupo, uns achando que a idéia fere o princípio anarquista, outros pensando que os rebaixaria do eletrizante status de movimento de rua à indigna força política institucional. No entanto, movidos pela possibilidade de fiscalizar os políticos de perto e descansar da polícia, lançam 13 candidaturas, cobrindo Amsterdam com espetacular propaganda política: colagens enormes, sutiãs pintados, decoração natalina, esculturas com cores fluorescentes, pincéis colados em muros, todos com o número da chapa, 12. Os slogans variavam de "Vote Provo para ter tempo bom!”a "Vote Provo e darão boas gargalhadas!"; os comícios aconteciam na praça Spur; os programas de governo incluíam os Planos Brancos (bicicletas, mulheres, galinha, etc). Conseguiram inacreditáveis 13 mil votos (2,5%) e amealharam uma cadeira, que foi ocupada em regime de rodízio por cinco diferentes Provos ao longo dos cinco anos de mandato. O primeiro deles, De Vries, vai à Câmara descalço e arrota cada vez que inicia um discurso para os colegas. "É a prova viva de que os Provos não estão interessados no poder, não o querem e não sabem o que fazer com ele", diz Guarniccia”. (ALMEIDA)

Como diz a sabedoria popular: “jogo bom, é jogo rápido”, em 13 de maio de 1967, o Provos se dissolve em festa, justamente por estarem “cansados de bancar a entidade oficial de provocação”, dando fim a heróica e divertida saga. “Morte e transfiguração”, em outras palavras, desaparecer e reaparecer em outros lugares, em outras formas, para não se tornar previsível, tais noções culminaram numa das tentativas de fusão entre arte e vida cotidiana mais bem sucedida, que dia após dia, piada após piada, arrancou do poder novos espaços de liberdade.

Como afirma Luiz Carlos Maciel[9], lembrar a contra cultura pode ser mais do que mero saudosismo: pode nos ajudar a tomada de consciência de uma decadência que parece inevitável, mas que não é historicamente necessária. É sempre possível retomar os caminhos da liberdade. Não se trata de repetir a aventura de então, pois cada momento é único. Trata-se de, finalmente tomar conhecimento de suas lições e reinventar novas formas de existência.

 

 

 



[1] O adjetivo beat, do inglês, tinha as conotações de "cansado" ou "baixo e fora", mas quando usado por Kerouac esse também incluía as paradoxais conotações de "upbeat", "beatific", e a associação musical de ser "na batida".

[2] O Festival de Música e Artes de Woodstock foi o mais importante festival de música de sua época. Foi realizado em uma fazenda em Bethel, Nova Iorque, durante os dias 15, 16 e 17 de agosto de 1969 e, embora tenha sido projetado para 50 000 pessoas, mais de 400 mil compareceram, a maioria das quais não pagaram o ingresso.

[3] A palavra “provos” deriva de “provocadores”, batizados assim por um relatório policial e aceito espontaneamente pelos referidos.

[4] Cair fora.

[5] Happening (do inglês, acontecimento) é uma forma de expressão das artes visuais que, de certa maneira, apresenta características das artes cênicas. Neste tipo de obra, quase sempre planejada, incorpora-se algum elemento de espontaneidade ou improvisação, que nunca se repete da mesma maneira a cada nova apresentação.

Apesar de ser definida por alguns historiadores como um sinônimo de performance, o happening é diferente porque, além do aspecto de imprevisibilidade, geralmente envolve a participação direta ou indireta do público espectador. Para o compositor John Cage, os happenings eram "eventos teatrais espontâneos e sem trama".

O termo happening, como categoria artística, foi utilizado pela primeira vez pelo artista Allan Kaprow, em 1959. Como evento artístico, acontecia em ambientes diversos, geralmente fora de museus e galerias, nunca preparados previamente para esse fim.

 

[6] Matteo Guarnaccia nasceu em Milão em 1954 e é um dos principais representantes da psicodelia européia, seja com seu trabalho como ensaísta e escritor, seja com seu trabalho de artista. É autor dos livros Arte Psichedelica e Contracultura in Itália, Skate e Almanacco Psichedelica e Provos: Amsterdã e o Nascimento da Contracultura.

[7] Dentro da medicina moderna, a trepanação consiste na abertura de um ou mais buracos no crânio, através de uma broca neurocirúrgica.

Quando realizada de forma única, a trepanação serve para se criar uma abertura por onde se pode drenar um hematoma intracraniano ou se inserir um cateter cerebral.

Em uma craniotomia, várias trepanações são feitas para se criar os vértices de um polígono ósseo que será retirado do crânio. Com o auxílio de uma serra neurocirúrgica, uma linha ligando cada vértice é serrada e o polígono (flap) ósseo do crânio é retirado, liberando o neurocirurgião para abordar a massa encefálica.

A cultura da trepanação esteve presente desde o tempo dos Cro-Magnons e há cadáveres com sinais de trepanação em praticamente todas as partes do mundo. Tal como as sangrias, a trepanação era um procedimento médico muito realizado, com o objetivo de eliminar os maus espíritos e demônios do paciente, mas sem nenhum significado terapêutico prático. A sobrevivência ao procedimento nos séculos antes da Idade Média era de aproximadamente 70%, mas durante os séculos XIV a XVIII caiu praticamente a zero, devido ao pouco cuidado dos realizadores de tal prática, que acabavam perfurando as meninges do paciente e causando uma hemorragia incontrolável.

[8] maconha: feminino Cannabis Sativa.(Brasil) Variedade do cânhamo.Planta rica em substâncias alucinógenas como o canabinol e o THC (tetrahidrocanabinol).arbusto de médio porte que encontra condições climáticas perfeitas para cultivo em países tropicais.Erva proibida em alguns países, entre os quais Estados Unidos e o Brasil.

[9] Luiz Carlos Maciel é tido como o “guru da contracultura brasileira” pelo trabalho ímpar que desenvolveu  dentro da imprensa alternativa,  divulgando os movimentos de contracultura que se proliferavam no mundo na década de 60 e 70 em sua coluna Underground, no semanário Pasquim.

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