segunda-feira, 3 de novembro de 2008

Cultura (do latim cultura, cultivar o solo, cuidar) é um termo com várias acepções, em diferentes níveis de profundidade e diferente especificidade. São práticas e ações sociais que seguem um padrão determinado no espaço. Refere-se a crenças, comportamentos, valores, instituições, regras morais que permeiam e identificam uma sociedade. Explica e dá sentido a cosmologia social, é a identidade própria de um grupo humano em um território e num determinado período.  Origem: Wikipédia, a enciclopédia livre.

Em um sentido amplo, a cultura pode ser definida como o aspecto da vida social que se relaciona com a produção do saber, arte, folclore, mitologia, costumes, etc., bem como a sua perpetuação pela transmissão de uma geração à outra. Em sociologia, o conceito adquire um sentido diferente do senso comum, que em síntese simboliza tudo aquilo que é aprendido e partilhado pelos indivíduos de um determinado grupo e que confere uma identidade dentro do grupo. Nesse entendimento, não existiriam culturas superiores, nem inferiores, na medida em que a cultura é relativa. Num contexto filosófico, trata-se do conjunto de manifestações humanas que contrastam com a natureza ou comportamento natural, em outras palavras, é um conjunto de respostas para melhor satisfazer as necessidades e os desejos humanos.

O senso comum costuma associá-la à aquisição de conhecimentos e práticas de vida reconhecidas como superiores, ou seja, erudição, numa associação àquilo que é descrito como “alta cultura”, termo empregado apenas no singular, que parte da idéia da não existência de culturas, e sim, apenas uma cultura ideal, à qual os homens indistintamente devem se submeter. Essa noção permite encarar a cultura como sendo também um agente primário de dominação política. Uma breve investigação sobre os rumos da estética, paralela ao estudo da moral sob o olhar da filosofia ocidental, permite localizar as justificativas do ideal inicialmente aristocrático e depois burguês, da arte enquanto cultura superior da classe dominante.

A filosofia grega do Período Clássico tem suas origens na poesia épica de Homero, tomada como marco inicial da filosofia ocidental, a partir da racionalização do divino. Alguns historiadores da filosofia identificam tanto na Ilíada quanto na Odisséia, a condução a uma religiosidade “exterior” que mais convém ao público a que se dirigem as epopéias: a polis aristocrática. Essa religiosidade apolínea permanecerá como uma das linhas fundamentais da religião grega: a de sentido político, que servirá para justificar as tradições e instituições da Cidade-Estado[1]. A figura heróica de Homero caracteriza-se por um ethos próprio, a areté (virtude). A areté é o ideal cavalheiresco que alia a conduta cortesã ao heroísmo guerreiro, sendo mais tarde atenuada por seu uso estritamente moral. Aquele que possui a areté é o nobre, aristoi, palavra que origina o termo aristocrata (que a possui desde o nascimento). Sendo aristoi, decorre que é virtuoso e naturalmente fadado a dominância, ao poder. Homero inaugura uma tradição de ética aristocrática, que fundamentará a ética em Platão e Aristóteles. Tal ética se baseia no desprezo pelas ações relacionadas à sobrevivência do corpo (labor), e o enaltecimento das atividades ligadas à vida pública na polis, e ao ócio. Privilégio esse dado apenas aos cidadãos, que por não se ocuparem do labor, poderiam dedicar-se ao pensamento, que segundo os gregos, é o ato que diferencia o homem do resto dos animais, sendo assim aqueles que não buscam a aletheia (verdade), ou seja, escravos e trabalhadores “livres”, não seriam considerados humanos. Inaugurando a idéia de cultura superior da classe dominante.

É preciso lembrar que a Idade Média fora marcada pela quase extinção do comércio e o fim das grandes cidades, a Igreja Católica fora a única instituição que sobrevivera ao fim do Império Romano, guardando para a si toda a herança cultural da Antiguidade, fundindo tais valores aos valores judaico-cristãos. Um período de misticismo, marcado pelo teocentrismo e por um forte controle exercido pela Igreja. As Cruzadas deram impulso ao renascimento do comércio e o contato com o oriente, que resguardara diversos valores helenísticos, possibilitou o surgimento do chamado Renascimento Cultural. Os valores da Cultura Clássica seriam resgatados e absorvidos no contexto da transição feudo-capitalista pela aristocracia européia.

A partir do século XI, as cidades italianas transformaram-se nos principais centros econômicos e comerciais da Europa, até então a ciência e as artes sofriam um forte controle por parte da Igreja. Do enriquecimento das famílias comerciais, surge à figura do mecenas, homens que enriqueceram ao ponto de desafiarem o controle católico e protegerem as artes e os artistas. Dessa forma, o mecenato passava a constituir um sinal de prestígio, para os novos príncipes italianos legitimarem o seu poder político. Sob a proteção dos patronos, o artista estaria protegido das perseguições da Inquisição, no entanto, encontrava-se submetido aos objetivos de seus patrocinadores. Seguindo o espírito da época, a arte se norteara pela busca da imitação do natural num sentido perfeitamente realista (mimesis), os modelos a serem reproduzidos deveriam configurar as noções de Belo, Bem e Perfeição, equacionando arte e verdade, entendendo como verdade os valores da aristocracia.

Com a queda da aristocracia, também a burguesia se apropria do valor da cultura séria[2], mas ao fazê-lo, acabou por transformá-lo também. A beleza deixa de ser equivalente a verdade, e passa a ser associada ao gosto individual. Nesse contexto, a arte conquista sua autonomia material, e em algumas obras, ideológica. Autonomia material, na medida em que o artista garante a sua sobrevivência com a venda de suas obras, transformando sua produção em mercadoria, e ideológica, na medida em que a arte seguiria suas próprias regras, conquistando um espaço de liberdade a partir da negação da finalidade social dominante, ganhando assim estatuto filosófico, tornando a estética uma disciplina filosófica autônoma.

Mesmo assim, a arte continua sendo encarada como uma atitude intelectual, evoluída, particular da nova classe dominante. Tal significado, esta implícito na percepção popular da arte como expressão de gênios individuais, já que chamar um homem de artista é negar a outro um dom de igual visão. Dessa negação, as próprias leis de mercado se encarregam de agregar valor monetário à obra de arte, o que permite a comercialização da mesma como uma commodity internacional, um investimento seguro para quem pode comprá-la. Colocando em xeque os argumentos daqueles que a encaram como uma categoria universal.

O termo indústria cultural foi cunhado por Adorno e Horkheimer em 1947, devido à inadequação dos termos “entretenimento” e “cultura de massas”, utilizados para traduzir a produção e o consumo de produtos culturais em larga escala, já que poderiam sugerir, de modo equivocado, uma cultura que surgisse espontaneamente das massas, como se fosse a expressão daquilo que é genericamente denominado arte popular. O fato é: dessa forma de arte, a indústria cultural se distingue radicalmente.

A indústria cultural designa a produção de produtos culturais com o intuito de adaptar e integrar seus consumidores ao funcionamento da ordem social vigente, forçando a união da “arte superior” e da “arte inferior”, domínios estes, separados há milênios, e com o prejuízo de ambos (ADORNO, 1962). A “arte superior” é frustrada “de sua seriedade pela especulação sobre o efeito; a inferior perde, através de sua domesticação civilizadora, o elemento de natureza resistente e rude, que lhe era inerente enquanto o controle social não era total” (idem). Difere-se das formas tradicionais de “entretenimento”, por se tratar de um sistema integrado, centralizando a produção, a distribuição e o consumo da cultura, integrando- a as esferas de reprodução material da sociedade e ao funcionamento do sistema capitalista como um todo. Sendo uma forma de diminuição do potencial crítico e de dominação da consciência das pessoas. O consumo dos produtos da indústria cultural não é uma escolha livre do consumidor, mas, em grande medida, determinado na fase de fabricação dos produtos (GATTI, Luciano Ferreira, ”Theodor W Adorno e a Indústria Cultural”, Revista Mente, Cérebro e Filosofia n° 7, pg. 27, Duetto, SP, 2008).

Brecht e Suhrkamp advertiam que as mercadorias culturais da indústria se orientam “segundo o princípio de sua comercialização e não segundo seu próprio conteúdo e sua figuração adequada. Toda a práxis da indústria cultural transfere, sem mais, a motivação do lucro às criações espirituais.” (ADORNO, 1962). A autonomia das obras de arte nunca existiu de maneira plena, e sempre fora marcada por conexões de efeito, e se vê abolida pela indústria cultural. Embora os poderes políticos, Estado e municipalidades, tenham herdado do absolutismo uma parte das instituições produtoras de cultura[3], preservando pra elas uma independência parcial das relações de dominação vigentes no mercado, fator que resguardou a arte em sua fase tardia contra o veredicto da oferta e da procura, somente a obrigação de se inserir incessantemente na vida dos negócios como um especialista estético, impôs um freio definitivo ao artista. “A cultura que, de acordo com seu próprio sentido, não somente obedecia aos homens, mas também sempre protestava contra a condição esclerosada na qual eles vivem, e nisso lhes faria honra; essa cultura, por sua assimilação total aos homens, torna-se integrada a essa condição esclerosada; assim ela avilta os homens ainda uma vez. As produções do espírito no estilo da indústria cultural não são mais também mercadorias, mas o são integralmente” (idem). Tal deslocamento é tão grande que traz consigo alguns fenômenos novos. Afinal, a indústria cultural não visa mais somente aos interesses do lucro, dos quais partiu, tais lucros objetivam-se em sua própria ideologia e às vezes se emanciparam da coação de vender suas mercadorias, que devem ser absorvidas de qualquer maneira. “A indústria cultural se transforma em “public relations”, a saber, a simples fabricação de um “good will”, sem relação, com os produtores ou objetos de venda particulares. Vai se procurar o cliente para lhe vender um consentimento total e não crítico, faz se reclame para o mundo, assim como cada produto da indústria cultural é seu próprio reclame”(idem)

A indústria cultural possui sua ontologia, “quadro de categorias fundamentais rigidamente conservadas”, como por exemplo, o romance comercial inglês do fim do século XVII e início do XVIII. O que se apresenta como progresso nesse contexto, essa insistência pelo novo, nada mais é que uma maquiagem para um esqueleto que sofreu tão poucas mudanças como na própria motivação do lucro desde que ela ganhou ascendência sobre a cultura.

Não se deve tomar literalmente o termo indústria, porque não diz respeito ao processo produtivo em sentido restrito, ele diz respeito à padronização - como, por exemplo, o western, conhecido de qualquer freqüentador de cinema, - e a racionalização das técnicas de distribuição. Enquanto o processo de produção do cinema, que é um procedimento técnico que exige a divisão social do trabalho, o emprego de máquinas e a separação dos trabalhadores dos meios de produção (o conflito entre artistas e detentores do poder decisório), a indústria cultural ainda procura conservar as formas individuais de produção. Em outras palavras, a indústria cultural vale-se do “individualismo artístico” e da “criatividade individual” para explorar comercialmente o seu estoque de “astros e estrelas”. “Cada produto apresenta-se como individual; a individualidade mesma contribui para o fortalecimento da ideologia, na medida em que se desperta a ilusão de que o que é coisificado e mediatizado é um refúgio de imediatismo e de vida.” (ADORNO)

Em relação aos processos produtivos, a indústria cultural se caracteriza pela racionalização dos procedimentos de planejamento e pela conseqüentemente estandardização dos produtos. O planejamento dá se através da antecipação das regras à produção, e pela primazia do todo em relação ao individual, onde o individual é apenas mais um elemento do todo. Resultando na transferência da responsabilidade de elaboração do artista para administradores, técnicos e diretores, julgamento onde não prevalecem as qualidades artísticas, mas sim o lucro e o sucesso de mercado. A determinação das tendências de produção e produção em larga escala, entra em contraste com a elaboração da obra de arte, que é única em sua singularidade. Os controladores elaboraram uma linguagem que consiste em efeitos de fácil assimilação imediata, excluindo elementos que contestem ou fujam da fórmula, através da criação de um repertório de gestos prontamente reconhecíveis pelo consumidor. Toda a divulgação também é racionalizada, na medida em que cinema, rádio, televisão e imprensa se movimentam em conjunto para a divulgação de seus produtos. A mobilização de recursos técnicos e financeiros leva a aproximação dos interesses dos produtores culturais de outros setores que os patrocinam.

Diversão e entretenimento não são invenções do capitalismo tardio. A “arte leve” além de funcionar como antídoto contra a seriedade da arte autônoma, representava também o “abandono descontraído à multiplicidade das associações e ao absurdo feliz”, porém esses “elementos positivos” são neutralizados pela racionalização da indústria cultural, onde a descontração e o absurdo transformam-se em escapismo e renúncia a coerência, já que a indústria cultural transforma a diversão em ausência de esforço de reflexão por parte do consumidor. “O mundo inteiro é forçado a passar pelo filtro da indústria cultural. A velha experiência do espectador de cinema, que percebe a rua como um prolongamento do filme que acabou de ver, porque este pretende ele próprio reproduzir o mundo da percepção quotidiana, tornou-se a norma da produção. Quanto maior a perfeição com que suas técnicas duplicam os objetos empíricos, mais fácil se torna hoje obter a ilusão de que o mundo exterior é o prolongamento sem ruptura do mundo que se descobre no filme.” (ADORNO E HORKHEIMER,1947, Dialética do Esclarecimento, pg. 118).

“A indústria cultural desenvolveu-se com o predomínio que o efeito, a performance tangível e o detalhe técnico alcançaram sobre a obra, que era outrora o veículo da Idéia e com essa foi liquidada. Emancipando-se, o detalhe tornara-se rebelde e, do romantismo ao expressionismo, afirmara-se como expressão indômita, como veículo do protesto contra a organização. O efeito harmônico isolado havia obliterado, na música, a consciência do todo formal; a cor particular na pintura, a composição pictórica; a penetração psicológica no romance, a arquitetura. A tudo isso deu fim a indústria cultural mediante a totalidade.” (idem)



[1] Não é preciso lembrar que essa função da religião instituída foi mantida até hoje. Cf. BAKUNIN, Mikhail (2000). Deus e o Estado. São Paulo: Imaginário.

[2] Termo criado por Henry Flynt, no começo dos anos 60, para designar a alta cultura da classe dominante.

[3] Sistema educativo, teatros, orquestras, etc.

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