quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Poder.Resistência.Liberdade.


Foucault define o poder com uma clareza e objetividade assustadoras. O poder é uma relação de forças, melhor ainda, toda relação de forças é uma “relação de poder.” É preciso ter em mente, em primeiro lugar, que o poder não é uma forma, como a forma-Estado, e que diferentemente do saber, o poder não se manifesta em duas formas. Em segundo lugar, a força nunca está no singular, essencialmente ela precisa estar em relação com outras forças, sendo assim, toda força já é relação, ou seja, poder: a força não tem objeto e nem sujeito, a não ser a força.(DELEUZE, Foucault,São Paulo, 2005, Editora Brasiliense) O que não deve ser encarado em sua obra como uma volta ao Direito Natural, na medida em que o direito é apenas uma forma da expressão, a Natureza uma forma da visibilidade, e a violência apenas um concomitante, um conseqüente, nunca um constituinte. Próximo a Nietzsche (e de Marx também), para quem a relação de forças ultrapassa singularmente a violência, não podendo ser definida por ela. A violência afeta aos corpos, objetos ou seres determinados cuja forma altera ou destrói, já a força não tem outro objeto além de outras forças, nem outro ser além da relação; “é uma ação sobre a ação, sobre as ações eventuais, atuais, futuras ou presentes, um conjunto de ações sobre as ações possíveis. Uma lista aberta pode ser feita das variáveis que exprimem uma relação de poder, uma lista que é constituída de ações sobre ações: incitar, induzir, desviar, tornar fácil ou difícil, ampliar ou limitar, ... As grandes teses de Foucault sobre o poder desenvolvem-se em três rubricas: o poder não é essencialmente repressivo, uma vez que incita, suscita e produz; se exerce antes de ser possuído (já que só se possui sob uma forma determinável – classe – e determinada – Estado); passa pelos dominados tanto quanto pelos dominantes, por passar por todas as forças em relação.

Um exercício de poder aparece como um afeto, na medida em que a própria força se define por seu poder de afetar outras com as quais ela esta em relação e de ser afetada por outras. Incitar, suscitar, produzir constitui afetos positivos, em contrapartida ser incitado, suscitado, determinado a produzir, afetos reativos. Estes não são simplesmente a repercussão ou um reverso passivo daqueles, mas antes o “irredutível interlocutor”, principalmente se considerarmos que a força afetada não deixa de ter uma capacidade de resistência. Espontaneidade e receptividade adquirem aqui o sentido de afetar e ser afetado.

O poder de ser afetado é como uma matéria da força, e o poder de ser afetado pode ser entendido como a função da força. Trata-se de uma pura função, em outras palavras, uma função não-formalizada, independentemente das formas concretas em que ela se encarna, dos objetivos que satisfaz e dos meios que emprega: uma física da ação, uma física da ação abstrata.

Na medida em que o poder evolui do modelo de soberania para um modelo disciplinar, transformando – se em “biopoder”, uma “biopolítica” das populações, responsabilidade e gestão da vida, onde a vida surge como o novo objeto do poder. Nesse sentido, as diferenças são tratadas como inimigas, agentes biológicos prejudiciais que devem ser erradicados.

Quando o poder toma a vida como objeto, a resistência ao poder passa a ser feita em nome da vida, e a volta contra o poder. “A vida como política foi tomada ao pé da letra e voltada contra o sistema que planejava controlá-la.” O que a resistência extrai do homem são as forças, como diria Nietzsche, de uma vida mais ampla, mais ativa, mais afirmativa, mais rica em possibilidades. O que o super-homem sempre quis dizer é que a vida precisa ser libertada dentro do próprio homem, na medida em que o próprio homem não deixa de ser uma maneira de aprisioná-la.

 “Como observou Arthur Shopenhauer, a “realidade” é criada pelo ato de querer, é a teimosa indiferença do mundo em relação à minha intenção, a relutância do mundo em se submeter à minha vontade, que resulta na percepção do mundo como “real”, constrangedor, limitante e desobediente. Sentir-se livre das limitações, livre para agir conforme os desejos significa atingir o equilíbrio entre os desejos, a imaginação e a capacidade de agir...” (BAUMAN, 2000). Sendo assim, a sensação de liberdade é atingida na medida em que imaginação e desejo não ultrapassam a nossa capacidade de agir. Tal equilíbrio pode ser atingido de duas maneiras, reduzindo os campos da imaginação e do desejo, ou ampliando nossa capacidade de ação.

O “biopoder”, na medida em que concentra suas ações na própria vida dos homens, trata de tentar liquidar a imaginação, controlar os desejos e reprimir a nossa capacidade de ação. Ma o fato é que onde há poder, há resistência, e as resistências ao poder, muitas vezes, têm força irresistível. Foucault definia a liberdade como um conjunto de atitudes e comportamentos característicos de sujeitos autônomos de suas práticas, e que hoje, objetivo principal não é o de nos descobrirmos, mas de recusar ser o que somos. Recusar sermos meras formigas. Não se trata mais de encontrarmos nosso eu no mundo, mas de inventarmos a nossa subjetividade. A subjetividade é o resultado de um processo inventivo. De modo que a luta pela liberdade começa na esfera subjetiva. A criação de subjetividade implica na descoberta de limites, na ultrapassagem desses limites e por fim no reconhecimento de que novamente entrou-se em limites, levando a novas ultrapassagens, num processo infinito. Lutar por liberdade é atuar no limite, é comer pelas bordas, um movimento em busca de linhas de fuga, é uma guerra travada por guerrilhas, bater e correr, morte e transfiguração.

Levantes e insurreições são classificados pela historiografia oficial, como revoluções que fracassaram. O fracasso segundo eles residiria no fato de que tais momentos não cumpriram a trajetória esperada. Revolução, reação, traição e a fundação de um Estado ainda mais forte e opressor. Ao falhar em completar esta trajetória, o levante sugere um movimento fora e além da esfera que denominamos como progresso. Insurgo: rebelar-se, levantar-se. Uma ação de independência.

Se a História É "Tempo", como declara ser, então um levante é um momento que surge acima e além do Tempo, viola a "lei" da História. Se o Estado É História, como declara ser, então o levante é o momento proibido, uma imperdoável negação da dialética como dançar sobre um poste e escapar por uma fresta, uma manobra xamanística realizada num "ângulo impossível" em relação ao universo. (HAKIM BEY)

O objetivo das ações retratadas aqui, e agora tomo emprestadas algumas palavras de Vaneigem, é a construção de situações que tenham o potencial de produzir momentos radicais de poesia, que mudem a vida e transformem o mundo. Onde a criatividade possa ser igualmente repartida e se expresse de maneira direta e espontânea no calor desses instantes que são privilegiados. Momentos abertos à poesia, ou melhor, à construção total da vida cotidiana, a uma inversão total da perspectiva imposta, acontecimentos absolutos e sem apelo. Como em um carnaval, onde as pessoas abrem os olhos a possibilidades que pareciam encobertas, onde por um breve instante a cidade se transforma.

Um comentário:

Eduardo Matzembacher Frizzo disse...

olá, meu caro. como vai? espero que bem. cá estava a vagar pela rede e por acaso, relendo alguns trechos da microfísica do poder do foucault, digitei o nome do cara no google e achei este seu blog. desde já parabenizo pelo mesmo, o qual contém textos de grande valia tendo em vista o contexto no qual trabalham a maioria dos blogs: meros redudos narcísicos de aspirações que acabam no umbigo de quem escreve. ao menos blogs como o seu, se é que o leitor comum de blogs tem paciência para lê-los, coloca na web alguns assuntos de certa relevância, visto que não acabam em meras análises ao feitio do galvão bueno. dito isto, em meados desse mês de novembro, apesar do meu relativo desapego com a net, também resolvi alocar algumas palavras na rede. não primo pela quase-cientificidade do texto como você, uma vez que procuro me desviar dessa coisa com a qual todo dia trabalho ao menos no blog, apesar dos respingos serem claros aqui e ali. caso queiras visitá-lo, será um prazer. o endereço é: http://insufilme.blogspot.com/. no mais, espero que, se possível, passemos a travar contato. um abraço, eduardo.