quarta-feira, 19 de novembro de 2008

Poder.Resistência.Liberdade.


Foucault define o poder com uma clareza e objetividade assustadoras. O poder é uma relação de forças, melhor ainda, toda relação de forças é uma “relação de poder.” É preciso ter em mente, em primeiro lugar, que o poder não é uma forma, como a forma-Estado, e que diferentemente do saber, o poder não se manifesta em duas formas. Em segundo lugar, a força nunca está no singular, essencialmente ela precisa estar em relação com outras forças, sendo assim, toda força já é relação, ou seja, poder: a força não tem objeto e nem sujeito, a não ser a força.(DELEUZE, Foucault,São Paulo, 2005, Editora Brasiliense) O que não deve ser encarado em sua obra como uma volta ao Direito Natural, na medida em que o direito é apenas uma forma da expressão, a Natureza uma forma da visibilidade, e a violência apenas um concomitante, um conseqüente, nunca um constituinte. Próximo a Nietzsche (e de Marx também), para quem a relação de forças ultrapassa singularmente a violência, não podendo ser definida por ela. A violência afeta aos corpos, objetos ou seres determinados cuja forma altera ou destrói, já a força não tem outro objeto além de outras forças, nem outro ser além da relação; “é uma ação sobre a ação, sobre as ações eventuais, atuais, futuras ou presentes, um conjunto de ações sobre as ações possíveis. Uma lista aberta pode ser feita das variáveis que exprimem uma relação de poder, uma lista que é constituída de ações sobre ações: incitar, induzir, desviar, tornar fácil ou difícil, ampliar ou limitar, ... As grandes teses de Foucault sobre o poder desenvolvem-se em três rubricas: o poder não é essencialmente repressivo, uma vez que incita, suscita e produz; se exerce antes de ser possuído (já que só se possui sob uma forma determinável – classe – e determinada – Estado); passa pelos dominados tanto quanto pelos dominantes, por passar por todas as forças em relação.

Um exercício de poder aparece como um afeto, na medida em que a própria força se define por seu poder de afetar outras com as quais ela esta em relação e de ser afetada por outras. Incitar, suscitar, produzir constitui afetos positivos, em contrapartida ser incitado, suscitado, determinado a produzir, afetos reativos. Estes não são simplesmente a repercussão ou um reverso passivo daqueles, mas antes o “irredutível interlocutor”, principalmente se considerarmos que a força afetada não deixa de ter uma capacidade de resistência. Espontaneidade e receptividade adquirem aqui o sentido de afetar e ser afetado.

O poder de ser afetado é como uma matéria da força, e o poder de ser afetado pode ser entendido como a função da força. Trata-se de uma pura função, em outras palavras, uma função não-formalizada, independentemente das formas concretas em que ela se encarna, dos objetivos que satisfaz e dos meios que emprega: uma física da ação, uma física da ação abstrata.

Na medida em que o poder evolui do modelo de soberania para um modelo disciplinar, transformando – se em “biopoder”, uma “biopolítica” das populações, responsabilidade e gestão da vida, onde a vida surge como o novo objeto do poder. Nesse sentido, as diferenças são tratadas como inimigas, agentes biológicos prejudiciais que devem ser erradicados.

Quando o poder toma a vida como objeto, a resistência ao poder passa a ser feita em nome da vida, e a volta contra o poder. “A vida como política foi tomada ao pé da letra e voltada contra o sistema que planejava controlá-la.” O que a resistência extrai do homem são as forças, como diria Nietzsche, de uma vida mais ampla, mais ativa, mais afirmativa, mais rica em possibilidades. O que o super-homem sempre quis dizer é que a vida precisa ser libertada dentro do próprio homem, na medida em que o próprio homem não deixa de ser uma maneira de aprisioná-la.

 “Como observou Arthur Shopenhauer, a “realidade” é criada pelo ato de querer, é a teimosa indiferença do mundo em relação à minha intenção, a relutância do mundo em se submeter à minha vontade, que resulta na percepção do mundo como “real”, constrangedor, limitante e desobediente. Sentir-se livre das limitações, livre para agir conforme os desejos significa atingir o equilíbrio entre os desejos, a imaginação e a capacidade de agir...” (BAUMAN, 2000). Sendo assim, a sensação de liberdade é atingida na medida em que imaginação e desejo não ultrapassam a nossa capacidade de agir. Tal equilíbrio pode ser atingido de duas maneiras, reduzindo os campos da imaginação e do desejo, ou ampliando nossa capacidade de ação.

O “biopoder”, na medida em que concentra suas ações na própria vida dos homens, trata de tentar liquidar a imaginação, controlar os desejos e reprimir a nossa capacidade de ação. Ma o fato é que onde há poder, há resistência, e as resistências ao poder, muitas vezes, têm força irresistível. Foucault definia a liberdade como um conjunto de atitudes e comportamentos característicos de sujeitos autônomos de suas práticas, e que hoje, objetivo principal não é o de nos descobrirmos, mas de recusar ser o que somos. Recusar sermos meras formigas. Não se trata mais de encontrarmos nosso eu no mundo, mas de inventarmos a nossa subjetividade. A subjetividade é o resultado de um processo inventivo. De modo que a luta pela liberdade começa na esfera subjetiva. A criação de subjetividade implica na descoberta de limites, na ultrapassagem desses limites e por fim no reconhecimento de que novamente entrou-se em limites, levando a novas ultrapassagens, num processo infinito. Lutar por liberdade é atuar no limite, é comer pelas bordas, um movimento em busca de linhas de fuga, é uma guerra travada por guerrilhas, bater e correr, morte e transfiguração.

Levantes e insurreições são classificados pela historiografia oficial, como revoluções que fracassaram. O fracasso segundo eles residiria no fato de que tais momentos não cumpriram a trajetória esperada. Revolução, reação, traição e a fundação de um Estado ainda mais forte e opressor. Ao falhar em completar esta trajetória, o levante sugere um movimento fora e além da esfera que denominamos como progresso. Insurgo: rebelar-se, levantar-se. Uma ação de independência.

Se a História É "Tempo", como declara ser, então um levante é um momento que surge acima e além do Tempo, viola a "lei" da História. Se o Estado É História, como declara ser, então o levante é o momento proibido, uma imperdoável negação da dialética como dançar sobre um poste e escapar por uma fresta, uma manobra xamanística realizada num "ângulo impossível" em relação ao universo. (HAKIM BEY)

O objetivo das ações retratadas aqui, e agora tomo emprestadas algumas palavras de Vaneigem, é a construção de situações que tenham o potencial de produzir momentos radicais de poesia, que mudem a vida e transformem o mundo. Onde a criatividade possa ser igualmente repartida e se expresse de maneira direta e espontânea no calor desses instantes que são privilegiados. Momentos abertos à poesia, ou melhor, à construção total da vida cotidiana, a uma inversão total da perspectiva imposta, acontecimentos absolutos e sem apelo. Como em um carnaval, onde as pessoas abrem os olhos a possibilidades que pareciam encobertas, onde por um breve instante a cidade se transforma.

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Tempo, espaço, cidade.

Cada condomínio fechado tem um sonho: ser uma cidade (ou um bairro) diferente das cidades comuns, cheias de estrangeiros sinistros que se esgueiram nas ruas escuras, e brotam de lugares visivelmente perigosos. O loteamento fechado é como uma visão high tech do feudo, que abriga detrás de seus muros colossais, torres de vigia, fossos e pontes levadiças uma aldeia protegida dos perigos do mundo. “Uma cidade feita sob medida para indivíduos que querem administrar e monitorar seu estar junto (...), simultaneamente um claustro e uma fortaleza inacessível e bem guardada.” (BAUMAN, Zygmunt – “Modernidade Líquida”, Rio de Janeiro, Zahar, 2000)

O claustro concebido pelo traço do arquiteto é como a cidade da alegria e do divertimento compulsórios, onde a felicidade é o único mandamento, algo bem diferente do “esconderijo dos ascetas voltados para os céus, que se auto-imolam, são piedosos, oram e jejuam.” Já a fortaleza, conta com as mais avançadas tecnologias de vigilância, cercas elétricas de alta voltagem, muros altos, acessos vigiados por câmeras e guardas.

Aqueles que se dão ao luxo de comprar uma casa em um condomínio podem passar boa parte de suas vidas afastados dos riscos e perigos da turbulenta, hostil e assustadora selva que começa logo após o fim de seus muros. Tudo que uma vida agradável requer está lá. Lojas, igrejas, restaurantes, teatros, mata, playgrounds, pistas de corrida, quadras poliesportivas, e áreas livres suficientes para se acrescentar “o que quer que a moda de uma vida decente possa demandar no futuro.” (idem)

George Hazeldon, arquiteto inglês radicado na África do Sul, é bastante explícito ao esclarecer as vantagens de seu Heritage Park, condomínio de luxo não muito longe da cidade do Cabo, sobre os lugares onde a maioria das pessoas vivem:

Hoje a primeira questão é a segurança. Queiramos ou não, é o que faz a diferença (...). Quando eu cresci, em Londres, tínhamos uma comunidade. Você não fazia nada errado porque todos conheciam e contariam pra seu pai ou mãe (...). Queremos recriar isso aqui, uma comunidade que não precisa se preocupar.[1] (BAUMAN)

Ao preço de uma casa em empreendimentos como o Heritage, você ganha acesso a uma comunidade. “Comunidade é, hoje, a última relíquia das utopias da boa sociedade de outrora, é o que sobra dos sonhos de uma vida melhor, compartilhada com vizinhos melhores, todos seguindo melhores regras de convívio. Pois a utopia da harmonia reduziu-se, realisticamente, ao tamanho da vizinhança mais próxima.” Justamente por isso que a “comunidade” é um bom argumento de venda.

No entanto, é preciso notar qual é o sentido dessa reunião comunitária. A comunidade da sua infância em Londres, a qual Hazeldon deseja recriar na África do Sul é apenas um território vigiado de perto pelos próprios vizinhos. “A diferença entre o passado afetuosamente lembrado e sua réplica atualizada é que o que a comunidade das memórias de infância de Hazeldon obtinha usando os olhos, língua e mãos, casualmente e sem muito pensar, no Heritage Park é confiado a câmeras de TV ocultas e dúzias de seguranças armados verificando senhas nos portões e discretamente (ou ostensivamente, se necessário) patrulhando as ruas.”(idem).

Essa fuga para a segurança dos muros não é novidade na história da humanidade, essa crença na conspiração dos outros contra nós atormentou certos homens em todos os tempos e lugares do mundo. O que é novo é que são os assaltantes (juntamente com os vagabundos e outros desocupados, personagens estranhos ao lugar em que se movem) que levam a culpa representando, o diabo, maus espíritos, ou mesmo os comunistas escondidos debaixo da cama. A figura do assaltante tornou-se o nome comum e popular para o “medo ambiente que assola os nossos contemporâneos”, assim sua presença se torna crível e o medo de ser assaltado é amplamente compartilhado. Sendo assim, quantias cada vez maiores do dinheiro público são gastas com o propósito de identificar e caçar os “assaltantes, vagabundos e outras versões atualizadas daquele terror moderno, o móbile vulgos – os tipos inferiores de pessoas em movimento, surgindo e se espalhando em lugares onde só deveriam estar as pessoas certas”. A defesa das ruas perigosas, assim como o exorcismo em casas mal-assombradas de outrora, passa a ser reconhecida como um objetivo digno de ser perseguido, sendo encarada como a maneira apropriada de proteger as pessoas contra os medos e perigos que as tornam cada vez mais sobressaltadas, nervosas, tímidas e assustadas.

O perigo mais tangível para aquilo que é definido como “cultura pública” está na “política do medo cotidiano”. “O espectro arrepiante e apavorante das ruas inseguras mantém as pessoas longe dos espaços públicos e as afasta da busca da arte e das habilidades necessárias para compartilhar a vida pública.” (BAUMAN)

A fortificação da vida cotidiana, não é privilégio apenas dos mais ricos. Nas periferias, as principais vítimas do esvaziamento das funções do Estado, o crime organizado ocupa as brechas deixadas pelo poder público, fazendo o papel de vigilantes e de juízes, aqui os muros são invisíveis e as armas são mais pesadas. Os traficantes exercem seu poder tanto pela coerção quanto pela admiração que conquistam ao fazerem às vezes do Estado.

 “A comunidade definida por suas fronteiras vigiadas de perto e não mais por seu conteúdo; a “defesa da comunidade” traduzida como o emprego de guardiões armados para controlar a entrada; assaltante e vagabundo promovidos à posição de inimigo número um; compartimentação das áreas públicas em enclaves defensáveis com acesso seletivo; separação no lugar da vida em comum – essas são as principais dimensões da evolução corrente da vida urbana.

Richard Sennet define a cidade como “um assentamento humano em que estranhos têm chance de se encontrar[2]”. Significa que estranhos podem se encontrar em sua condição de estranhos, saindo desse encontro casual como estranhos, de modo que tudo termina de maneira tão abrupta quanto começou. Nada de retomadas, nem troca de informações sobre as atribulações do dia-a-dia, ou lembranças compartilhadas, nada que possa servir de guia para esse presente encontro. Um evento sem passado ou futuro, “uma oportunidade única a ser consumada enquanto dure e no ato, sem adiamento e sem deixar questões inacabadas para outra ocasião.” (2000).

A vida urbana requer um tipo de atividade muito especial e sofisticada, trata-se de um grupo de habilidades que Sennet denominou como “civilidade”:

a atividade que protege as pessoas umas das outras, permitindo, contudo, que possam estar juntas. Usar uma máscara é a essência da civilidade. As máscaras permitem a sociabilidade pura, distante das circunstâncias do poder, do mal-estar e dos sentimentos privados das pessoas que as usam. A civilidade tem como objetivo proteger os outros de serem sobrecarregados com nosso peso.[3]

Tal objetivo é seguido na espera da reciprocidade. Proteger os outros contra a sobrecarga refreando o ato de interagir com eles, isso só faz sentido quando se espera generosidade semelhante. “A civilidade como linguagem, não pode ser “privada”. Antes de se tornar a arte individualmente aprendida e privadamente praticada, a civilidade deve ser uma característica da situação social. É o entorno urbano que deve ser “civil”, afim de que seus habitantes possam aprender as difíceis habilidades da civilidade”. (idem)

Dizer que o meio urbano é “civil” significa a disponibilidade de espaços que as pessoas possam compartilhar como personae públicas – sem serem pressionadas ou induzidas a abrir mão de suas máscaras. “Mas também significa uma cidade que se apresenta a seus residentes como um bem comum que não pode ser reduzido ao agregado de propósitos individuais e como uma tarefa compartilhada que não pode ser exaurida por um grande número de iniciativas individuais, como uma forma de vida com um vocabulário e lógica próprios e com sua própria agenda, que é (e está fadada a continuar sendo) maior e mais completa que a lista de cuidados e desejos individuais – de tal forma que “vestir uma máscara pública” é um ato de engajamento e participação, e não um ato de descompromisso e retirada do “verdadeiro eu”, deixando de lado o intercurso e o envolvimento público, manifestando o desejo de estar só e continuar só.”(2000)

Nas cidades contemporâneas há muitos lugares que recebem o nome de “espaços públicos”. Possuem os mais variados tipos e tamanhos, mas a maior parte deles faz parte de uma de duas grandes categorias. “Cada categoria dessas se afasta do modelo de espaço civil em duas direções opostas que se complementam.

A Avenida Luiz Carlos Berrini, a menina dos olhos do mercado imobiliário com fins comerciais paulistana, incorpora todas as características da primeira das duas categorias de espaços públicos urbanos, que não são civis. O que chama a atenção é acima de tudo a falta de hospitalidade da via, tudo aquilo que se vê inspira respeito e ao mesmo tempo desencoraja a permanência. Os edifícios que margeiam a via de fluxo intenso de veículos são feitos para serem admirados, e não visitados; cobertos de cima a baixo por vidro refletivo parecem não possuir portas ou janelas, dando as costas para a rua da qual se erguem. Os pedestres que ocupam as calçadas, ou estão indo para seus postos de trabalho em alguma das milhares de salas voltadas para este fim, ou estão nos pontos de ônibus a espera de sair dali.

“A segunda categoria de espaço público mas não civil se destina a servir aos consumidores, ou melhor, a transformar o habitante da cidade em consumidor”. Consumidores geralmente compartilham esses lugares (casas de shows, pontos turísticos, shopping centers), sem ter qualquer interação social real. Lugares que encorajam a ação e não a interação. Ao compartilhar o espaço físico com outros, o consumidor dá importância a ação, conseguindo a aprovação pelo número, “que corrobora seu sentido e a justifica sem necessidade de mais razões”. Qualquer interação os afastaria de suas ações, que requerem um envolvimento pessoal, trazendo prejuízo e não vantagens. Nada seria acrescentado aos prazeres de comprar e desviaria corpo e mente desta tarefa.

O consumo é um passatempo individual, constituído de sensações experimentadas apenas subjetivamente. As multidões que lotam esses templos de consumo são apenas ajuntamentos, não formam congregações, por mais cheios, tais lugares de consumo coletivo não têm nada de “coletivo”.

“Os encontros, inevitáveis em lugares lotados, interferem com o propósito” (BAUMAN), devem ser breves e superficiais. O lugar é protegido contra todo tipo de chatos, intrometidos, qualquer um que possa interferir no isolamento do consumidor. No templo do consumo é sempre primavera (BAUDRILLARD), graças aos sistemas de iluminação artificial e condicionamento do ar, uma ilha de ordem, livre das populações marginais (pelo menos se supõe isso), ninguém está lá pra conversar ou socializar. “Levam com elas qualquer companhia de que queiram gozar (ou tolerem), como os caracóis levam suas casas.” (BAUMAN)

Tudo aquilo que acontece dentro do templo do consumo tem pouca ou nenhuma relação com o ritmo e/ou o teor da vida diária que flui fora de seus portões, é como estar em outro lugar. Diferente dos carnavais, que também envolvem essa experiência de ser transportado: as idas às compras são principalmente viagens no espaço, e apenas secundariamente viagens no tempo (2000). No carnaval a cidade se transforma, pode ser entendido como um intervalo de tempo em que ela se transforma antes de cair novamente em sua rotina. Um lapso de tempo definido que, no entanto retorna de maneira cíclica, desvendando um outro lado da realidade diária, um lado ao alcance de todos, mas que normalmente permanece oculto e impossível de tocar. A lembrança dessa descoberta unida a esperança de outros relances por vir impedem que a consciência desse outro lado seja completamente suprimida.

“Uma ida ao templo de consumo é uma questão inteiramente diferente. Entrar nessa viagem, mais do que testemunhar a transubstanciação do mundo familiar, é como ser transportado a um outro mundo. O templo do consumo (claramente distinto da loja da esquina de outrora) pode estar na cidade (se não construído, simbolicamente, fora dos limites da cidade, à beira de uma auto-estrada), mas não faz parte dela; não é o mundo comum temporariamente transformado, mas um mundo ‘completamente outro’. O que o faz ‘outro’ não é a reversão, negação ou suspensão das regras que governam o cotidiano, como no caso do carnaval, mas a exibição do modo de ser que o cotidiano impede ou tenta em vão alcançar – e que poucas pessoas imaginam experimentar nos lugares que habitam normalmente.”(2000)

O carnaval nos mostra que a realidade não é tão dura quanto parece e que a cidade pode ser transformada, em contrapartida, os templos do consumo não revelam nada da natureza da realidade cotidiana. Assim como o “barco” de Foucault, “é um pedaço flutuante do espaço, um lugar sem lugar, que existe por si mesmo e ao mesmo tempo se dá ao infinito do mar[4]”; pode realizar esse “dar-se ao infinito” porque se afasta do porto doméstico e se mantém a distância. (BAUMAN) Esse “lugar sem lugar”, é um lugar purificado, limpo das diferenças, onde não há espaço para a alteridade.

Lévi-Strauss sugeriu em Tristes trópicos que apenas duas estratégias foram utilizadas pela humanidade quando a necessidade de enfrentar a alteridade surgiu: uma de natureza antropoêmica e a outra antropofágica. (2000)

“A primeira estratégia consiste em ‘vomitar’, cuspir os outros vistos como incurávelmente estranhos e alheios: impedir o contato físico, o diálogo, a interação social e todas as variedades de comercium, comensalidade e connubium. As variantes extremas da estratégia ‘êmica’ são hoje, como sempre, o encarceramento, a deportação e o assassinato.” (BAUMAN) As formas modernizadas da estratégia “êmica” são a segregação espacial, os guetos urbanos, o acesso seletivo a espaços e o impedimento seletivo aos seus usos.

A segunda estratégia parte de uma suposta “desalienação” das substâncias alheias: “ingerir”, “devorar” corpos e espíritos estranhos à realidade dominante, fazendo isso pelo metabolismo, tornando as pessoas idênticas aos corpos que as ingerem, logo indistinguíveis deles. “Essa estratégia também assumiu uma ampla gama de formas: do canibalismo à assimilação forçada – cruzadas culturais, guerras declaradas contra costumes locais, contra calendários, cultos, dialetos e outros “preconceitos” e “superstições”. (idem) Enquanto a primeira estratégia visa o exílio, a aniquilação do “outro”, a segunda estratégia ataca em cheio a sua alteridade, buscando a sua suspensão, ou mesmo sua destruição.

Há uma impressionante dicotomia entre as estratégias de Lévi–Strauss e as duas categorias de “espaços públicos mas não civis”. A Berrini, que juntamente com outros espaços interditórios ocupam lugar de destaque entre as inovações urbanas correntes, é um exemplo arquitetônico da estratégia “êmica”, enquanto os espaços de consumo representam a “fágica”. Cada uma a sua maneira respondem ao desafio de enfrentar a chance de encontrar estranhos, característica esta constitutiva da vida urbana. Tal tarefa requer medidas assistidas pelo poder onde os hábitos de civilidade estão ausentes ou pouco desenvolvidos. Tais espaços derivam da ausência da civilidade, e lidam com as conseqüências prejudiciais dessa falta, não pela promoção ou pelo ensino dessa habilidade, mas tornando a sua posse irrelevante e desnecessária na prática atual do viver em cidades.

Além dessas duas respostas, há ainda uma terceira, cada vez mais comum. Trata-se daquilo que Georges Benko, seguindo Marc Augé, chama de “não-lugares”. Os “não-lugares” partilham de algumas características da primeira categoria dos espaços públicos mas não civis, na medida em que desencorajam o ato de estabelecer-se, tornando a real vivência do espaço praticamente impossível. Ao contrário da Berrini e dos prédios que a margeiam, os não-lugares “aceitam a inevitabilidade de uma adiada passagem, às vezes muito longa, de estranhos, e fazem o que podem para que essa presença seja meramente física e socialmente pouco diferente, e preferivelmente indistinguível da ausência, para cancelar, nivelar ou zerar, esvaziar as idiossincráticas subjetividades de seus passantes”. (BAUMAM) O truque consiste em tornar as diferenças existentes em cada habitante em algo completamente irrelevante durante a sua estadia. Quaisquer que sejam as diferenças, elas são enquadradas dentro dos padrões de conduta impostos pelos não-lugares, pouco importando as linguagens ou os costumes diários de seus ocupantes. Sendo assim, no seio dos não-lugares, todos devem se sentir como se estivessem em casa, mas ninguém deve comportar-se como se de fato o estivessem. Trata-se de um espaço destituído das expressões simbólicas de identidade, relações e história, os exemplos são os mais variados, e incluem aeroportos, terminais rodoviários, toda a rede de transporte coletivo, auto-estradas, avenidas de fundo de vale, universidades, etc. Jamais na história do mundo os não-lugares ocuparam tanto espaço, ou presenciaram tamanha expansão, tornando os espaços civis cada vez mais rarefeitos.

Como já vimos, as diferenças podem ser engolidas, vomitadas, apartadas, e “há lugares que se especializam cada vez mais em cada caso”. Porém as diferenças também podem ser tornadas invisíveis, melhor dizendo, impedidas de serem percebidas. É o caso dos espaços vazios. Os cunhadores do termo, Jerzy Kociatkiewicz e Monika Kostera, propõe que espaços vazios são

lugares a que não se atribui significado. Não precisam ser delimitados fisicamente por cercas ou barreiras. Não são lugares proibidos, mas espaços vazios, inacessíveis porque invisíveis.[5]

Tais espaços, antes de qualquer coisa, são vazios de significado. Não que deixem de ter significado porque são vazios, o que ocorre é ao contrário, mais até que vazios, são invisíveis. Nesses lugares que resistem ao significado, as diferenças não são negociáveis, já que neles não existem quaisquer tipo de negociação. O modo como eles lidam com a diferença é radical numa maneira que outros tipos de lugares projetados para atenuar ou anular o impacto de estranhos não podem acompanhar.

Podemos dizer que eles são espaços que “sobram” depois da reestruturação de espaços ditos realmente importantes: sua presença fantasmagórica é conseqüência da falta de superposição entre as estruturas e a confusão do mundo (qualquer mundo, até aquele desenhado propositalmente), notórios por fugirem a classificações cabais. A família dos espaços vazios não se limita às sobras do projeto arquitetônico ou às margens negligenciadas pelo urbanista. “Muitos espaços vazios são, de fato, não apenas resíduos inevitáveis, mas ingredientes necessários de outro processo: o de mapear o espaço partilhado por muitos usuários diferentes.”(2000)

A cidade possui muitos habitantes, cada um com seu próprio mapa mental. Cada mapa tem seus espaços vazios, ainda que em mapas diferentes eles se localizem em lugares distintos. “Os mapas que orientam os movimentos das várias categorias de habitantes não se superpõem, mas, para que qualquer mapa faça sentido, algumas áreas da cidade devem permanecer sem sentido. Excluir tais lugares permite que o resto brilhe e se encha de significado.” (BAUMAN)

O vazio do lugar está no olho de quem vê e nas pernas ou rodas de quem anda. Vazios são lugares em que as pessoas não entram, onde se sentem perdidas e vulneráveis, surpreendidas e um tanto atemorizadas pela presença humana.

A modernidade pode ser definida como a história do tempo, ou melhor, a modernidade é o tempo em que o tempo possui uma história. Antes que físicos e filósofos começassem a definir o tempo e o espaço em termos científicos, provocando assim a sua separação. Tempo e espaço estavam intimamente ligados dentro da percepção cotidiana, sendo assim “longe” e “tarde” “cedo” ou “perto” significavam a mesma coisa, ou seja, o esforço necessário para que um ser humano percorresse uma certa distância, ou para se cumprir uma certa tarefa. Isso se devia ao fato de que as ferramentas empregadas pelos homens, estavam intimamente atreladas ao seu próprio corpo. Tornando as noções de tempo e espaço intimamente ligadas aos processos naturais. Na chamada era do wetware, humanos e animais faziam os esforços e impunham os limites. Assim, nobres poderiam viajar com mais conforto, não seriam capazes de vencer distâncias numa velocidade maior do que qualquer plebeu. Sem a necessidade de uma medida real do tempo, e por conseqüência, espaços menos controlados. Num período que pode ser definido como a pré-história do tempo.

O advento da modernidade marca a dissociação entre tempo e espaço. A invenção de máquinas capazes de acelerar a produção e o movimento tornou o tempo o elemento dinâmico da relação espaço-temporal. Essa capacidade ampliada de trabalho e deslocamento deu início ao período que Bauman denomina como modernidade pesada. Um período marcado pela dominação do espaço, que para atender as novas necessidades da produção deveria ser subordinado à técnica. A era dos Estados fortes, controladores e interventores, um capitalismo de produção, onde fábricas cada vez maiores eram o símbolo da sua força.

A modernidade pesada era, afinal, a época de moldar a realidade como na arquitetura ou na jardinagem; a realidade adequada aos veredictos da razão deveria ser “construída” sob estrito controle de qualidade e conforme rígidas regras de procedimento, e mais que tudo projetada antes da construção. Era uma época de pranchetas e projetos – não tanto para mapear o território social como para erguer tal território até o nível de lucidez e lógica que só os mapas são capazes. Era uma época que pretendia impor razão a realidade por decreto, remanejar as estruturas de modo a estimular o comportamento racional e a elevar os custos de todo o comportamento contrário à razão tão alto que os impedisse. Em razão do decreto, negligenciar os legisladores e as agências coercitivas não era, obviamente, uma opção. A questão da relação com o Estado, fosse cooperativa ou contestadora, era seu dilema de formação; de fato, uma questão de vida ou morte. (BAUMAN)

O fim da Segunda Guerra Mundial é um marco para importantes mudanças dentro do sistema capitalista, mudanças que não diziam respeito apenas à nova ordem bi-polar, trata-se do domínio cada vez maior do homem sobre o tempo. A revolução tecnológica que desencadeou a chamada Terceira Revolução Industrial, mudou completamente os rumos da humanidade. Com o advento da Era da Informação e a ascensão do capital financeiro monopolista, o tempo chegaria a quase instantaneidade, uma vez que os dados são capazes de viajar na velocidade da luz, sendo assim, o deslocamento perde importância, o domínio do espaço deixa de ser essencial. O poder se transforma em uma entidade nômade e seus princípios estratégicos preferidos são a fuga, evitação e o descompromisso, sendo que sua condição ideal é a invisibilidade. Dando a modernidade seu novo caráter leve, ou nas palavras de Bauman, fluida.

Bauman sugere que uma maneira de se compreender essas fases da modernidade, seria através de seus medos. Orwell e Huxley eram visionários, nas distopias criadas em suas maiores obras (1984 e Admirável Mundo Novo), conseguiram captar os maiores temores dos homens de sua época. Tais temores residiam nessa potência totalitária própria da modernidade pesada, mundos de vigilância, de controle absoluto, da dissolução completa das liberdades individuais. Hoje os medos são outros, o Grande Irmão já não assusta mais ninguém, justamente porque o Estado já não canaliza mais tantas funções, nos tempos da modernidade líquida somente o indivíduo carrega o peso de suas angústias e necessidades, fato que os prendem cada vez mais ao solo, encontrando consolo na liberdade consentida de consumir. Nessa nova era de incertezas, onde as narrativas de um mundo melhor falharam, os maiores medos residem na defesa da propriedade, em gestos que demonstram um medo das ruas cada vez maior. As teletelas de Orwell não voltam mais seus olhos para as salas de estar, e sim para as ruas escuras e perigosas.

Entre os modelos de planejamento urbano que competem para assumir o trono deixado pelo projeto modernista está o chamado planejamento estratégico. Modelo este difundido no Brasil em ação combinada de agências como a Habitat e por consultores internacionais, catalães em sua maioria, possuindo como um dos expoentes máximos desse novo conceito de planejamento urbano a cidade de Barcelona.

Tal experiência tem origem nas técnicas de gestão empresarial, com a justificativa de que as cidades de um mundo globalizado passam pelos mesmos problemas e devem ser administradas com a mesma lógica de uma empresa. Ou seja, as cidades devem tornar-se competitivas com o intuito de atrair investimentos e passar para trás suas concorrentes.

A cidade se vende no sentido em que busca se adequar as necessidades do capital especulativo, criando toda uma infra-estrutura para esses consumidores em potencial enquanto a grande massa de excluídos é tratada como problema paisagístico em seus postulados. Transforma-se em empresa quando se apropria de técnicas de marketing e business com o intuito de atrair mais investimentos e enxugar gastos em setores “improdutivos” como saúde e educação, atuando apenas a favor do capital e por fim apropria-se da imagem de pátria quando se apóia na figura de lideranças carismáticas, matando a cidadania quando a contestação e o posicionamento são banidos da esfera administrativa municipal.

Enquanto a visão moderna de planejamento urbano possuía como alicerce o taylorismo e sua lógica tecnicista, funcionalista e racional, os novos “gestores da cidade”, se apóiam em doutrinas como o toyotismo criando uma maior alienação em relação ao espaço, as relações sociais urbanas deixam de ter importância, a premissa é tornar a cidade rentável a qualquer custo, função esta delegadas aos citadinos.

Nessa nova concepção de cidade, a polis (lugar de confrontos de idéias, berço do cidadão, onde ocorre a real interação humana com o espaço) perde terreno para a city (sede de grandes investimentos, lar dos citadinos, dóceis autômatos que sob a liderança de figuras carismáticas exercem suas funções pelo bem da city).

No entanto, algumas formas de resistência ainda sobrevivem, na medida em que os habitantes da cidade lutam pela cotidianização da política, gerando um processo de reconstrução e reapropriação dos espaços públicos, norteando assim uma nova alternativa, que apesar de ainda não estar organizada não deixa de ser uma saída.

 



[1] Citado de Chris Mcgreal, “Fortress town to rise on Cape of low hopes”, Guardian, 22/01/1999.

[2] Richard Sennet, “The Fall of Public Man: On the Social Psychology of Capitalism”, Nova York: Vintage Books, 1978.

[3] Sennet, “The Fall of the Public Man.

[4] Michel Foucault, “Of Other Spaces”, Diacritics 1, 1986, p. 26

[5] In BAUMAN, Jerzy Kociatkiewicz e Monika Kostera, “The anthropology of empty space”, Qualitative Sociology 1, 1999

quinta-feira, 6 de novembro de 2008

Provocadores

 O texto foi baseado nos seguintes artigos:

A Contracultura é Laranja Fluorescente, de Ari Almeida

Contracultura e Arte nos Anos 60, de Ivan Hegenberg


Contracultura: (também "contra-cultura") é um termo sociológico utilizado para descrever os valores e normas de comportamento de um grupo cultural, ou subcultura, que são contrárias às do mainstream social do dia, o equivalente cultural da oposição política. É um neologismo atribuído a Theodore Roszak.

Embora distintos, movimentos contraculturais existem em muitas sociedades, aqui o termo "contracultura" se refere a uma noção mais significativa, fenômeno visível que atinge uma massa crítica e persiste por um período de tempo. Um movimento contracultural exprime a ethos, aspirações e sonhos de uma população específica durante um tempo - uma manifestação social do zeitgeist.

“De um lado, o termo contracultura pode se referir ao conjunto de movimentos de rebelião da juventude [...] que marcaram os anos 60: o movimento hippie, a música rock, uma certa movimentação nas universidades, viagens de mochila, drogas e assim por diante. [...] Trata-se, então, de um fenômeno datado e situado historicamente e que, embora muito próximo de nós, já faz parte do passado”. [...] “De outro lado, o mesmo termo pode também se referir a alguma coisa mais geral, mais abstrata, um certo espírito, um certo modo de contestação, de enfrentamento diante da ordem vigente, de caráter profundamente radical e bastante estranho às forças mais tradicionais de oposição a esta mesma ordem dominante. Um tipo de crítica anárquica – esta parece ser a palavra-chave – que, de certa maneira, ‘rompe com as regras do jogo’ em termos de modo de se fazer oposição a uma determinada situação. [...] Uma contracultura, entendida assim, reaparece de tempos em tempos, em diferentes épocas e situações, e costuma ter um papel fortemente revigorador da crítica social.” (Pereira, 1992, p. 20) fonte: wikipedia – a enciclopédia livre.

 

 

A contracultura é um termo bastante amplo, associado em geral aos hippies, que traduz a rebeldia da juventude dos anos 60 do século XX, contra os principais valores da cultura ocidental. Uma cultura marginal, focada principalmente em uma transformação de consciência, dos valores e do comportamento, em busca de outros espaços e novos canais de expressão para o indivíduo em pequenas realidades do cotidiano. Uma busca por novos modos de vida realmente criativos. Apesar das imagens e estereótipos limitados que recebemos do que foi essa contestação, tratava-se de uma juventude bastante heterogênea, desorganizada, contraditória, e sem um rigor ideológico que centralizasse suas ações, que, no entanto, lutou contra o autoritarismo, o moralismo, a hipocrisia, a burocracia, o racismo e o militarismo.

A tríade “sexo, drogas e rock`n roll” popularizou e universalizou o que conhecemos por contracultura dos anos 60. Logo nos lembramos de Lennon e MacCartney cantando sobre um céu de marmelada, de Hendrix e sua guitarra dissonante transmitindo a angústia dos excluídos, de Caetano e Os Mutantes proibindo proibir, de Zappa aliando no palco arte e política, do abusado gato Fritz, de Robert Crumb, que na sua ausência completa de escrúpulos, rompia com os limites impostos pelo Comics Code estadunidense, pelos cartazes coloridos que diziam: “faça amor, não faça guerra”. Com a assimilação da contracultura pelo sistema, e sua conseqüente banalização; John Lennon anuncia nos anos 70: “O sonho acabou.”

Na década de 1950 surgiu nos Estados Unidos um dos primeiros movimentos contraculturais a Geração Beat[1], representada pelos escritores Jack Kerouac (On The Road, Dharma Bum), Allen Ginsberg (Howl), Willian S. Burroughs (Naked Lunch), influenciados por Ezra Pound, mesclaram ensinamentos zen com rebeldia, viviam à margem do sistema, porém sem nunca o terem confrontado de forma mais direta. Viajavam pelo mundo adquirindo toda forma de conhecimento que somasse com seu estilo de vida, passando de subemprego em subemprego, pegando carona, fora as noites de bebedeira, as mais variadas aventuras sexuais, experimentos com drogas e filosofia oriental. Comportamentos que seriam legados a diversas outras subculturas, associados bastante a o que ocorreu em 1969 no festival de Woodstock[2]. O modo como Kerouac descreve suas lições zen, nos diz muito sobre a mentalidade desta geração. Em “Os Vagabundos Iluminados” (Dharma Bum) o personagem Japhy Rider transmitia seus conhecimentos em filosofia oriental a Alvha Goldbook (nome fictício dado a Allen Ginsberg):

Você deveria casar e ter filhos mestiços, manuscritos, cobertores feitos em casa e leite materno sobre o seu tatame alegre e esfarrapado como este aqui. Arrume uma cabana para morar no mato não muito longe da cidade, gaste pouco para viver, enlouqueça em um bar de vez em quando, escreva e caminhe pelas montanhas e aprenda a serrar tábuas e converse com velhinhas, seu grande tolo, carregue muita madeira para elas, bata palmas em altares, consiga favores sobrenaturais, faça aulas de arranjos florais e plante crisântemos ao lado da porta.”

Poucos sabem, mas o primeiro grupo a transpor a liberdade beatnik para um esforço de transformar a sociedade foram os chamados Provos[3] de Amsterdã, que são considerados os fundadores da contracultura. Como pode ser comprovado num trecho extraído de um artigo publicado no San Francisco Sun, entitulado: “Provos sim, ianques não”:

“A cidade de Amsterdam está coberta de círculos da paz do CND e de desenhos de uma maçã de ponta-cabeça, que é o emblema dos Provos, os Joõezinhos, sementes de maçã de nossa época. Um dos meios mais poderosos de influenciar as pessoas é semear, por meio da imagem, as sementes de outro modo de vida.

(...) É preciso ocupar os cruzamentos das artérias mais transitadas não para protestar contra a discriminação, mas contra os próprios cruzamentos. Legiões de jovens cantando no meio das ruas nas horas do rush e usando as ruas para a única coisa para a qual poderiam servir: dançar.

Temos de nos reunir nos parque e em volta das estátuas, porque nos pertencem. Temos de espalhar o verde pela cidade toda, tornar a dar vida às cidades, renovar os seres humanos”. (HEGENBERG, Ivan)

Ao invés do “drop out[4]”, adotado por beatniks e hippies, os Provos insistiram em ficar na sua cidade e de fato conseguiram transformá-la. Tratava-se de um pequeno grupo, duzentas pessoas em seu auge, que atuou de modo intenso e subversivo entre julho de 1965 e maio de 1967. Com influências do dadaísmo e de outras correntes artísticas, apesar de nunca se definirem como um movimento artístico, o formato escolhido foi o happening[5], executado de maneira extravagante, em princípio para espantar o tédio das conformidades. O desconhecimento do grande público de sua existência deve-se ao fato de que o movimento ficou circunscrito à cidade de Amsterdã, e seus tablóides eram todos escritos em holandês, Matteo Guarniccia[6] também explica que a ele faltou também aquele megafone fundamental representado pela música pop. Se no mundo anglo-saxão o movimento pacifista e alternativo pôde contar com grupos ou cantores de música folk para amplificar e difundir sua mensagem, nada parecido aconteceu na Holanda, do ponto de vista musical".

“As excursões Provo para fora da Holanda foram poucas e breves. Passaram pelo Marrocos, Ibiza, ilhas gregas (antecipando-se em pelo menos quatro anos às badaladas migrações hippies) e estabeleceram-se por algum tempo em Londres, tornando-se ícones da casta de artistas psicodélicos. Foi quando desenharam os figurinos de Sgt Pepper´s, e a Provo Marijeke Koger tornou-se a grande estilista dos malucos ingleses, aproveitando para executar um happening onde fez a dança dos sete véus inteiramente nua, pintada com cores fluorescentes.” (Almeida, Ari, A Contracultura é Laranja Fluorescente).

No manifesto publicado em seu tablóide no ano de 1965, é possível ter uma visão geral do grupo:

“PROVO é uma folha mensal para anarquistas, provos, beatniks, noctâmbulos, amoladores, malandros, simples simoníacos estilitas, magos, pacifistas, comedores de batatinhas fritas, charlatões, filósofos, portadores de germes, moços das estribarias reais, exibicionistas, vegetarianos, sindicalistas, papais-noéis, professores do maternal, agitadores, piromaníacos, assistentes do assistente, gente que se coça e sifilíticos, polícia secreta e toda a ralé deste tipo.

PROVO é alguma coisa contra o capitalismo, o comunismo, o fascismo, a burocracia, o militarismo, o profissionalismo, o dogmatismo e o autoritarismo.

PROVO deve escolher entre uma resistência desesperada e uma extinção submissa.

PROVO incita à resistência onde quer que seja possível.

PROVO tem consciência de que no final perderá, mas não pode deixar escapar a ocasião de cumprir ao menos uma quinquagésima e sincera tentativa de provocar a sociedade.

PROVO considera a anarquia como uma fonte de inspiração para a resistência.

PROVO quer devolver vida à anarquia e ensiná-la aos jovens.

PROVO é uma imagem.” (GUARNICCIA, 2001, p. 15)

A partir de 1962 começaram a ocorrer em Amsterdã os mais variados happenings, “um meio de assalto para mudar a sociedade”: um sujeito escancara as portas e janelas de sua casa no auge do inverno, abre as torneiras, deixa a água congelar no chão e chama uma patinadora para se exibir aos transeuntes curiosos; outro amassa papéis, com os quais recobre seu quarto, a calçada, e os carros estacionados e grava o ruído do amassado para posterior exibição em concertos apropriados; dois times de ciclistas se despem enquanto pedalam, até se chocarem, nus uns contra os outros. O caso mais assombroso, bizarro e marcante foi o de Bart Huges, estudante de medicina, que em 1958 havia servido de cobaia nos experimentos com LSD na Universidade de Amsterdã. Huges fez uma trepanação[7] em sua testa com uma broca de dentista, retirou os curativos ao som de tambores. Ele acreditava que seu “terceiro olho permanentemente aberto” expandiria sua consciência para sempre, e aproveitou a oportunidade para assombrar a massa incrédula.

Com Robert Jasper Grootveld, a coisa começa a tomar um formato mais ou menos definido. Mais um fumante inveterado, Grootveld, inicia uma nada ortodoxa campanha anti-fumo pelas ruas de Amsterdã. Fantasiado de feiticeiro africano, pintava “câncer” sobre todos os cartazes publicitários de cigarros da cidade. Foi preso algumas vezes, chegando, gratuitamente, às mesmas páginas de jornal, que as corporações do tabaco pagavam milhões para anunciar. Solto, funda a Igreja da Dependência Consciente da Nicotina, em uma casa da zona boêmia, entoavam seu mantra: “cof-cof”, resolveram que não comprariam mais cigarros, circulariam como chaminés ambulantes, pedindo cigarros aos outros, afim de que se esgotassem os estoques. Com o aumento do número de pessoas, os eventos seriam transferidos para a Praça Spur, que além de ficar estrategicamente próxima as redações dos principais jornais, possuía uma estátua presenteada para a cidade pela Hunter Tobacco Company.

Em 64, Grootveld já era considerado um herói na cidade, junta-se a Bart Huges para lançar o Marihu[8] Project, um plano para reinvindicar a legalização da maconha, pois consideravam o cigarro uma “droga legalizada”, e tirar um sarro da polícia. Espalharam por toda a cidade centenas de maços pintados ã mão desenhos fluorescentes, contendo baseados feitos de folhas secas, palha, e cannabis, ao mesmo tempo em que espalham cartas com as regras do jogo: "Cada um pode fabricar sua Marihu (...) Cada qual pode criar suas próprias regras, ou omiti-las".

(ALMEIDA)

Em 65, ano em que as reuniões na Praça Spur estavam a toda, a própria família real holandesa daria a deixa para institucionalizar a zorra Provo. A Princesa Beatriz decide se casar com Claus Von Amsberg, diplomata alemão que servira nas fileiras nazistas. Nos bastidores, diversas manobras políticas foram executadas pela Casa Real de Orange para reverter o mal-estar inicial que o noivado conseguiu junto à população e imprensa. Quando a situação parecia estar contornada, chega as ruas a terceira edição do tablóide Provos, que atacava o futuro príncipe por todos os lados. A edição havia sido escondida dentro dos jornais matutinos, sobretudo os mais sensacionalistas e conservadores, em resposta, a imprensa local passa a atacar o grupo, fornecendo a publicidade necessária para a causa anticasamento. Para aumentar a rixa, alguns provos lançam cópias da terceira edição sobre o casal durante um desfile pelos canais de Amsterdã.

Neste ínterim, tanto o prefeito quanto o chefe de polícia ensaiam posturas linha-dura para lidar com os rebeldes, o que se mostra muito frustrante, já que a violência não surtia efeito. Numa atitude que Guarniccia diz só ser possível através de uma fé em magia, os Provos não reagiam aos cassetetes, apenas se dispersavam e voltavam a se juntar alguns quilômetros adiante dos conflitos, num esquema de manifestação não-violenta, modelo que se tornaria a tônica das passeatas antibélicas e antiditadura que dominaram a Europa e as Américas na década de 60. Diversas edições do tablóide são apreendidas, seus editores são multados pela utilização de fotos não autorizadas. A repressão apenas aumentaria a sua popularidade.

Assim como hoje em dia, o automóvel era o grande símbolo da sociedade de consumo, logo, os rituais antifumo da Spur transformaram em uma campanha contra os carros, dando início a sua cruzada contra os motoristas, “consumidores hidrocarburodependentes mimados pelos traficantes de petróleo”. Reivindicando o direito de não consumir, recusam-se a participar desse sonho da classe média, chamando a atenção para a queda na qualidade de vida das cidades provocada pelos automóveis, que entopem o espaço público, causam acidentes e envenenam o ar, com o Plano das Bicicletas Brancas, proclamavam um meio de locomoção “socialmente responsável”.

“É quando publicam um manifesto na quinta edição do tablóide; depois, endereçam uma carta à prefeitura, reivindicando a compra de 20 mil bicicletas brancas comunitárias por ano. A idéia era que estivessem permanentemente disponíveis nas ruas para uso gratuito do cidadão comum, e que este as deixasse para o usuário seguinte quando cumprisse seu trajeto. O plano foi copiado, com sucesso, ao redor do mundo: Estocolmo, Oxford, Berkeley. Em Amsterdam, os próprios Provos espalharam bicicletas pela cidade, e simpatizantes da causa começaram a levar as suas para serem pintadas de branco nas reuniões semanais. Os policiais confiscaram as bicicletas comunitárias com a ridícula justificativa de que, como não tinham dono, representavam um estímulo ao roubo; e começaram a reprimir os encontros da Spur com progressiva violência, transformando-os em choques em praça pública. Entre reuniões com delegados, prisões e manchetes enraivecidas nos jornais, os Provos fizeram diversas tentativas de pacificação da situação, sem sucesso.” (ALMEIDA)

 

“Com os ânimos libertários em ebulição, ainda lançaram o Plano das Mulheres Brancas de liberdade sexual (já pedindo a venda de camisinhas a preços baixos), que poucos anos depois seria a tônica do movimento feminista e de direito dos homossexuais; fizeram manifestações anticolonialistas, condenando a política repressiva contra os indonésios que lutavam pela independência, e de direitos humanos contra as ditaduras de Franco (Espanha) e Salazar (Portugal); constituíram pequenas comunidades alternativas rurais; e puxaram os protestos contra a guerra do Vietnã, criando um escarcéu delirante diante da embaixada americana local. Ainda sobrava energia para esportes menos engajados, como pintar a casa do prefeito de branco ou suspender uma discussão sobre o casamento da princesa Beatriz no Parlamento de Haia usando uma sirene de bombeiro”. (idem)

As apreensões dos tablóides Provos, resultaram em grande publicidade para a publicação, que das 500 cópias iniciais atingiria uma tiragem de 20 mil em sua edição derradeira. O ano de 65 seria marcado também pela explosão da imprensa underground holandesa, que por sua concepção gráfica inovadora, inspirara publicações no mundo inteiro, tais como a revista inglesa “It”, que por ser escrita em inglês se tornaria referência internacional do gênero. Um ano antes dessa explosão, o visionário Grootveld já diria: "os jornais se tornarão cada vez mais conformistas, cada vez mais corruptos, cada vez mais dependentes dos sindicatos da droga e da nojenta classe média (...). Vai se desenvolver um sentimento de dúvida em relação aos meios de comunicação. O resultado será o florescimento de uma imprensa descentralizada, talvez até mesmo ilegal (...). No futuro, cada um terá seu pequeno jornal. Porque não podemos esquecer que temos uma revolução ao alcance das mãos". A internet com as agências de mídia independente e os inúmeros blogs está aí para dar conta disso.

As semanas que antecediam o casamento da princesa Beatriz, seguiram em clima de paranóia. No dia 10 de março de 66, data da cerimônia, a cidade estava em estado de sítio, saídas fechadas, hospitais de prontidão, patrulhamento aéreo com helicópteros, coletes a prova de balas sob a indumentária dos noivos. Os Provos declararam o “dia da anarquia”, e começaram a celebração com o lançamento de cerca de 200 bombas de fumaça pelas salas de imprensa internacional e pelas ruas. “O caos tomou conta da cidade, a multidão ensandecida corria dos policiais a cavalo, que os espancava até que perdessem os sentidos. Os choques começaram de manhã e duraram até alta madrugada. De dentro da igreja ouvia-se o coro gritando "República". Um Provo conseguiu deter a carruagem real atirando uma galinha branca nas pernas dos cavalos que a puxavam, e foi jogado dentro do canal por um grupo de monarquistas.” (idem)

A repercussão internacional foi enorme, e é claro que tais acontecimentos não receberam declarações de apoio por parte da mídia internacional, sendo que os adjetivos usados para descrever o evento, não foram os mais politicamente corretos. Em contrapartida, cabeludos de todos os continentes começam a invadir Amsterdã. Nove dias após o casório, é a aberta a exposição “10-3-66”, com imagens da brutalidade da polícia durante o confronto. Durante a exposição é feito o lançamento do Plano das Galinhas Brancas, onde divulgam o programa “Amigos da Polícia”, exigindo entre outras cretinices, o seu desarmamento. Mais tarde, os agentes da lei se juntariam a festa, reproduzindo o pandemônio do dia 10, a televisão transmite tudo.

“Com a popularidade nas estrelas, o provotariado pensa em lançar dois candidatos para as vindouras eleições da Câmara dos Vereadores de 1 o de junho de 66. Instala-se uma discussão animada no grupo, uns achando que a idéia fere o princípio anarquista, outros pensando que os rebaixaria do eletrizante status de movimento de rua à indigna força política institucional. No entanto, movidos pela possibilidade de fiscalizar os políticos de perto e descansar da polícia, lançam 13 candidaturas, cobrindo Amsterdam com espetacular propaganda política: colagens enormes, sutiãs pintados, decoração natalina, esculturas com cores fluorescentes, pincéis colados em muros, todos com o número da chapa, 12. Os slogans variavam de "Vote Provo para ter tempo bom!”a "Vote Provo e darão boas gargalhadas!"; os comícios aconteciam na praça Spur; os programas de governo incluíam os Planos Brancos (bicicletas, mulheres, galinha, etc). Conseguiram inacreditáveis 13 mil votos (2,5%) e amealharam uma cadeira, que foi ocupada em regime de rodízio por cinco diferentes Provos ao longo dos cinco anos de mandato. O primeiro deles, De Vries, vai à Câmara descalço e arrota cada vez que inicia um discurso para os colegas. "É a prova viva de que os Provos não estão interessados no poder, não o querem e não sabem o que fazer com ele", diz Guarniccia”. (ALMEIDA)

Como diz a sabedoria popular: “jogo bom, é jogo rápido”, em 13 de maio de 1967, o Provos se dissolve em festa, justamente por estarem “cansados de bancar a entidade oficial de provocação”, dando fim a heróica e divertida saga. “Morte e transfiguração”, em outras palavras, desaparecer e reaparecer em outros lugares, em outras formas, para não se tornar previsível, tais noções culminaram numa das tentativas de fusão entre arte e vida cotidiana mais bem sucedida, que dia após dia, piada após piada, arrancou do poder novos espaços de liberdade.

Como afirma Luiz Carlos Maciel[9], lembrar a contra cultura pode ser mais do que mero saudosismo: pode nos ajudar a tomada de consciência de uma decadência que parece inevitável, mas que não é historicamente necessária. É sempre possível retomar os caminhos da liberdade. Não se trata de repetir a aventura de então, pois cada momento é único. Trata-se de, finalmente tomar conhecimento de suas lições e reinventar novas formas de existência.

 

 

 



[1] O adjetivo beat, do inglês, tinha as conotações de "cansado" ou "baixo e fora", mas quando usado por Kerouac esse também incluía as paradoxais conotações de "upbeat", "beatific", e a associação musical de ser "na batida".

[2] O Festival de Música e Artes de Woodstock foi o mais importante festival de música de sua época. Foi realizado em uma fazenda em Bethel, Nova Iorque, durante os dias 15, 16 e 17 de agosto de 1969 e, embora tenha sido projetado para 50 000 pessoas, mais de 400 mil compareceram, a maioria das quais não pagaram o ingresso.

[3] A palavra “provos” deriva de “provocadores”, batizados assim por um relatório policial e aceito espontaneamente pelos referidos.

[4] Cair fora.

[5] Happening (do inglês, acontecimento) é uma forma de expressão das artes visuais que, de certa maneira, apresenta características das artes cênicas. Neste tipo de obra, quase sempre planejada, incorpora-se algum elemento de espontaneidade ou improvisação, que nunca se repete da mesma maneira a cada nova apresentação.

Apesar de ser definida por alguns historiadores como um sinônimo de performance, o happening é diferente porque, além do aspecto de imprevisibilidade, geralmente envolve a participação direta ou indireta do público espectador. Para o compositor John Cage, os happenings eram "eventos teatrais espontâneos e sem trama".

O termo happening, como categoria artística, foi utilizado pela primeira vez pelo artista Allan Kaprow, em 1959. Como evento artístico, acontecia em ambientes diversos, geralmente fora de museus e galerias, nunca preparados previamente para esse fim.

 

[6] Matteo Guarnaccia nasceu em Milão em 1954 e é um dos principais representantes da psicodelia européia, seja com seu trabalho como ensaísta e escritor, seja com seu trabalho de artista. É autor dos livros Arte Psichedelica e Contracultura in Itália, Skate e Almanacco Psichedelica e Provos: Amsterdã e o Nascimento da Contracultura.

[7] Dentro da medicina moderna, a trepanação consiste na abertura de um ou mais buracos no crânio, através de uma broca neurocirúrgica.

Quando realizada de forma única, a trepanação serve para se criar uma abertura por onde se pode drenar um hematoma intracraniano ou se inserir um cateter cerebral.

Em uma craniotomia, várias trepanações são feitas para se criar os vértices de um polígono ósseo que será retirado do crânio. Com o auxílio de uma serra neurocirúrgica, uma linha ligando cada vértice é serrada e o polígono (flap) ósseo do crânio é retirado, liberando o neurocirurgião para abordar a massa encefálica.

A cultura da trepanação esteve presente desde o tempo dos Cro-Magnons e há cadáveres com sinais de trepanação em praticamente todas as partes do mundo. Tal como as sangrias, a trepanação era um procedimento médico muito realizado, com o objetivo de eliminar os maus espíritos e demônios do paciente, mas sem nenhum significado terapêutico prático. A sobrevivência ao procedimento nos séculos antes da Idade Média era de aproximadamente 70%, mas durante os séculos XIV a XVIII caiu praticamente a zero, devido ao pouco cuidado dos realizadores de tal prática, que acabavam perfurando as meninges do paciente e causando uma hemorragia incontrolável.

[8] maconha: feminino Cannabis Sativa.(Brasil) Variedade do cânhamo.Planta rica em substâncias alucinógenas como o canabinol e o THC (tetrahidrocanabinol).arbusto de médio porte que encontra condições climáticas perfeitas para cultivo em países tropicais.Erva proibida em alguns países, entre os quais Estados Unidos e o Brasil.

[9] Luiz Carlos Maciel é tido como o “guru da contracultura brasileira” pelo trabalho ímpar que desenvolveu  dentro da imprensa alternativa,  divulgando os movimentos de contracultura que se proliferavam no mundo na década de 60 e 70 em sua coluna Underground, no semanário Pasquim.